As pronunciadas palavras de
Jesus: “conheceis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8, 32), em bocas
mal-intencionadas, precisa ser esclarecida.
Consciente ou não do que fazia,
Jesus, o Nazareno, que ao longo dos séculos foi tornado o Cristo, deu-se a
tarefa de humanizar o homem.
E nesta tarefa que acabou em
aparente fracasso, seja por sua desfigurada pessoa na cruz, seja pelo uso que
se faz de seu nome nos dias de hoje, encontramos a razão de continuar apostando
na realização de seu Reino entre nós. Vejamos.
Em seu ensinamento, antes de
tudo, Jesus afirma a presença divina, não como presença transcendente, mas como
presença histórica, que se dá na intervenção humana na história. O deus que
Jesus ensina é um Deus na história, com a história, com uma ampla e generosa opção
pelos mais pobres, começando pelos mais desvalidos: os cegos, os coxos, os paralíticos,
os leprosos, os surdos, as adulteras e prostitutas, marcados pela rejeição pelo
abandono pela morte (Mt. 5-6).
Na pedagogia do Nazareno,
Amor conjuga-se com perdão, acolhida, distribuição e partilha dos dons e dos
bens. A fé é atitude de humildade e caridade e de expectativa operativa e não
resignada.
Como aquele que Deus enviou
para preparar o caminho, João Batista, que não se veste de roupas luxuosas, nem
vive em palácios (Mt 11, 9s), Jesus também apresenta-se simplório e chega a ser
considerado comilão, beberrão, amigo de populares e devassos... (Mt, 11, 19).
Caminhando pelas ruas, entre
os mais simples e os últimos de sua sociedade, Jesus nunca tomou a si mesmo
como messias e proíbe contundentemente qualquer publicidade sobre seu possível
messianismo (Mt. 16, 20; Lc 9, 21, Mc 8, 30).
Como dissemos, o reinado
divino que Jesus anuncia não se instaura com a ação divina, mas com a
intervenção humana nos rumos de sua história. Diante de uma multidão faminta: “Daí-lhes
vós mesmo de comer” é o apelo que Jesus nos faz. E mesmo ele operando a
multiplicação dos pães, adiante nos lembrará: “Dei-vos o exemplo para que, como
eu voz fiz, assim façais também vós” (Jo 13, 15). E em sua despida, repassando
com os discípulos tudo o que havia ensinado diz: “Ide pois, e ensinai a todas
as nações... Ensinai-as a observar tudo que vos prescrevi.” (Mt. 28 19; 20).
Ensinar, não é impor, não é submeter, não é reduzir o outro ao que cremos,
ensinar é viver o que cremos aceitando que outros possam não crer. Mas o que
foi mesmo que Jesus nos prescreveu?
1º A tua oferta não é mais importante que a
reconciliação com teu irmão. E é melhor entrar em acordo com teu adversário que
ficar de joelhos prostrados em oração ou estar em dia com o dizimo.
2º A mulher deve ser respeitada até mesmo em
pensamento e nós homens não devemos ser a causa de sua difamação.
3º O falso juramento, o testemunho falso não
promove a justiça e te condena diante de Deus.
4º Não faças propaganda de tua compaixão e misericórdia,
se tiras proveito de tuas ações elas são políticas e não práticas de caridade.
5º Devolvas aos pobres os bens que deles
tirastes. (Mt., 5-6, 19, 16-22)
No reino que o Nazareno nos
propõe “os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são limpos, os surdos ouvem,
os mortos são [respeitados] e ressuscitam, e a Boa Nova é anunciada aos pobres.
(Mt. 11, 5). Cabe lembrar, novamente: Como ensinar, anunciar não é impor, nem
condicionar a ação divina à aceitação do anúncio. Não! Independente da
aceitação ou não do anúncio por parte de quem o recebe, ele realiza o reino das
bem-aventuranças se aquele que as anuncia, as anuncia com a vida, isto é, na
vivência destas bem-aventuranças...
Em uma sociedade em que
muitos já nascem enjeitados, rejeitados e condenados à morte, ter a garantia de
viver já é ressurreição. Ter a garantia de que nossos mortos receberão o
respeito solene da despedida dos seus e esses a devida e respeitosa consolação,
é já ressurreição. O Deus do Nazareno não é transcendência; é história presente,
é a dignificação do homem no agora de sua história.
A promessa do Cristo é algo
presente: o esfomeado come, o doente é atendido, é cuidado, é curado, o
desempregado é tratado com a mesma dignidade e respeito que o empregado... o
aposentado é respeitado e sua experiência é valorizada... Não há reino futuro,
há reino no agora, no agir de cada homem e de cada mulher que o coloca em
andamento... A ressurreição não é o amanhã: é o hoje, ou não é.
“Conhecereis a verdade e a verdade
vos libertará” (Jo 8, 32). E eis a verdade do Cristo: “porque tive fome e me destes
de comer; tive sede e me destes de beber, era peregrino e me acolhestes; nu e
me vestistes; enfermo e me visitastes; estava na prisão e viestes a mim” (Mt. 25,
35ss), por tudo isto realizastes o Reino. Que os que têm olhos que vejam, e os
que têm entendimento, que entendam, parafraseando Mateus 13, 9...
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