sexta-feira, abril 24, 2020

ERRANDO SE APRENDE?



“A alma melhor é evidentemente a que tem mais capacidade e sabedoria, mas também a que tem mais poder para agir das duas formas em qualquer ação: a nobre e a desonrosa.” (Sócrates, in Hípias Menor)

 

O que errar nos ensina?

 

I

Saber-nos humanos é saber-nos perfectíveis, saber-nos perfectíveis é saber-nos falhos. Saber-nos perfectíveis, falhos, faz-nos procurar e desenvolver meios de nos tornarmos melhor. Nesta dinâmica, nos percebemos dotados de criatividade num mundo já “criado”, com seus mecanismos e suas leis. Nós entramos e saímos do mundo, ele está posto quando chegamos, e permanecerá, ao menos esperamos que permaneça, com nossa partida. É conhecendo os mecanismos e as leis que regem o mundo e as relações humanas nele desenvolvidas, unindo a projetos de sustentabilidade, solidariedade, preservação, justiça, que nos vamos melhorando... É na vigilância de nossos atos e atitudes que colocamos nossa criatividade numa perspectiva utópica: podemos melhorar o mundo, podemos ser melhores. Contra uma perspectiva apocalíptica: nós somos um “câncer”, um “vírus”, estamos colocando o mundo a perder, apostamos numa profecia criativa: havemos de ser plurais e singulares, um só sendo diversidade.

 

II

 

Nós homens e mulheres estamos sempre olhando para o ontem. Ora saudosos de um tempo idílico, ora críticos dos desmandos e desarranjos que assombram o nosso hoje. Do sonho à realidade, analisando, questionando, deslindando, conhecendo, percebemos que da caverna ao hoje fomos capazes de reduzir nossa fadiga por abrigo e alimento, aliviar nossas dores, prolongar nossas vidas. Mas fomos capazes, também, de alimentar conflitos, aprofundar desigualdades, ameaçar nossa existência e do planeta.  Nós homens e mulheres estamos sempre olhando para o amanhã. E o amanhã é sempre uma mescla de utopia e apocalipse. O nosso hoje, por isso é também uma mescla de acomodação, resignação, insatisfação, expectativa, temor, iniciativas, superação, criatividade. Riscos e receios nos mobilizam.

 

III

 

Somos seres que erra. E o erro produz mal entendidos, conflitos, inimizades, desperdício de recursos, de energias, sofrimento, injustiças. Mas ninguém erra porque quer. O erro voluntário deixa de ser erro.

Três sujeitos chegaram à final de um torneio de arco e flecha e deveriam acertar, de certa distância, uma maçã sobre a cabeça de um boneco. O primeiro a lançar a flecha acertou a maça em cheio. O segundo acertou não a maçã, mas o centro da flecha do primeiro arqueiro. O terceiro arqueiro, concentrou-se, mirou o alvo, respirou profundamente e arremessou sua flecha. Acertou a perna esquerda de um que assistia a disputa: “Da próxima vez eu não erro!” o tipo atingido pela flecha entendeu o recado.

O erro voluntário não é erro, é escolha. Por escolhas se responde.

 

IV

 

Sem certos conhecimentos, ou condições de conhecimento, não há como perceber um erro... Não percebendo erro, continuamos errando. Nós não aprendemos com os erros. Nós produzimos conhecimentos que nos revelam os erros. Nós somos seres produtores de conhecimento, porque é o conhecimento que nos aperfeiçoa, é o conhecimento que alimenta nossas melhores expectativas. E conhecemos porque somos capazes de colocar sob análise os resultados de nossas ações, principalmente quando destoam de seu propósito. E fazendo isso descobrimos os erros.  Não aprendemos com nossos erros, se não os descobrimos continuamos errando. Aprendemos desenvolvendo ou aprimorando nossas condições de conhecimento.  Não somos perfeitos, mas podemos sempre sermos melhores. Errar não é uma escolha. Sermos melhor sim.

Quem conhece pode, também, escolher errar (aqui entramos numa questão moral). Quem não conhece só pode errar! No caminho ao conhecimento produzimos erros. Mas não é o erro que nos ensina, é percebê-lo. O Erro se não é infértil, apenas produz danos. Não é errando que aprendemos. Aprendemos por querer saber por que erramos...

 


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