quinta-feira, outubro 31, 2019

DO PERDÃO


O dano não tem reparo. A ofensa não se apaga. A ferida não se fecha sem deixar cicatriz. O arrependimento não restitui o dano, não repara a ofensa, não alivia a dor do ferimento. O perdão não apaga tudo, não esquece; não é um desmemorizador. O perdão é uma aposta incerta de que, apesar do dano, apesar da ofensa, apesar da ferida, a relação pode ser restituída, e um novo começo possa se instaurar. O perdão se dá: é doação. De modo que: só o amor, ou quem muito ama, tem o poder de perdoar.  Embora seja uma doação, o perdão não se oferece. Ele precisa ser requisitado. Aqui novamente entra a dimensão do amor. Só quem muito ama é capaz de se penitenciar e pedir perdão. O dano, a ofensa, a ferida que se abre, rompe o amor. E é o amor rompido que se restabelece no perdão. E o amor é oferecimento e procura. Por isso o perdão só pode ser oferecido a quem o procura. E, por isso o perdão exige contrição e sacrifício. À gratuidade no perdão espera-se o compromisso do perdoado, simplificado no ato de penitência. Entre aquele que perdoa e o que é perdoado não se opera uma amnésia, se opera um sacrifício, uma penitência, um ato de amor: um milagre. O perdoar humano tem a grandeza do ato divino da criação, o perdão inaugura um novo começo, uma nova aposta no amor que sustenta a razão de viver. Onde não há amor, não há perdão, não há vida: há apenas amargura, sofrimento, dissolução.  O amor não repara danos, o amor não alivia dor, o amor não desfaz ofensas. O amor produz vida. Mas, só quem ama perdoa; só quem ama pede perdão. Só o amor produz vida. Perdoar é abrir-se a incerteza de uma vida nova.

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