quinta-feira, outubro 24, 2019

DE CASULOS SAEM COLIBRIS


“De casulo sai Jacaré. E de ovo de Jacaré, pode sair girafa?”

A epigrafe é uma rememoração de um evento longínquo, que sempre esteve entre minhas vontades de resposta.

I
As relações pedagógicas não se dão entre sujeitos simples, as relações pedagógicas se dão entre sujeitos plurais-complexos. O professor é um sujeito complexo, enredado numa teia de relações e situações com as quais se envolve e se embate. Uma delas, o seu ser professor numa sociedade de consumo e do espetáculo. O aluno é um sujeito complexo enredado num universo de valores familiares, comunitários com os quais vai construindo sua identidade...

II
Envolvendo-se com as ciências nos vamos dando conta que há três expectativas para a educação. Duas delas deterministas e pessimistas. A outra, desafiadora e incerta. As pessimistas se dividem entre aquelas que culpam ou o professor, ou o aluno, ou a escola, pelo fracasso educacional. “com este professor, com este aluno, com esta escola, não há redenção, estamos condenados ao fracasso.” Na mesma perspectiva, algumas linhas pedagógicas falam da família, da sociedade, do Estado... A terceira coloca professores, escola (enquanto coletivo, e não unidade), alunos nas interdependências da Educação mesma.
Nesta perspectiva, o centro da Educação não é o aluno, não é o professor, não é a escola. O centro da Educação e a Educação mesma. Professores, alunos, escolas, estão relacionados e circunstanciados, mas não determinados (para lembrar Paulo Freire).
Não são as relações, nem as circunstâncias que mudam, ou determinam seus destinos. São os sujeitos (professores e alunos) que trazem em si as potencialidades, as capacidades de se autodeterminarem. Professores e alunos são seres abertos que se encontram na mesma realidade: a Educação.

III
A abertura que caracteriza os sujeitos na Educação é o inacabamento, o ser-sendo, a natalidade: capacidade de começar algo que rompe com o fatídico, o determinado (Hannah Arendt).
Uma Educação centrada na Educação é promessa-incerta, é esperança que pode espantar (no sentido de nos surpreender), é milagre: o inesperado no vaticinado.

IV
Eu confesso, tive muitos alunos que julguei pelo casulo: não chegariam a borboleta, ficariam no meio do caminho. Hoje, os vejo trilhando os céus como colibris, em busca da flor mais desafiadora: o saber.
A educação centrada na Educação acredita nos sujeitos e conduz os sujeitos a acreditarem em si mesmos. Assim, de um casulo pode sair um mundo e não apenas borboletas. O milagre produz girafas em ovos de jacaré. Nesta perspectiva, a Educação não garante operários, médicos, advogados, sacerdotes, políticos; garante sujeitos autônomos, livres, autodeterminando-se.   A Educação é um processo que aguarda o inesperado, o inédito-viável, o novo que se dá no ato e na palavra. Palavra que se diz ao dizer o mundo.

V
Eu nunca estive à altura de professorar numa Educação centrada na Educação.

Nenhum comentário:

Postar um comentário