“O livro perde sua razão se fechado”
Nós vivemos rodeados de leitores analfabetos como aponta Leonardo Boff na seguinte passagem: “O pior analfabeto é aquele que sabe ler, mas não tem paciência para ler. Falta-lhe tempo”. Seguindo Boff ressalta: “A leitura nos dá um tempo que nunca teremos. O tempo de ouvir o que de fato pensamos ser e somos ... A leitura não pode ser dinâmica. Deve ser lenta ... Lenta e intensa como uma noite de amor. Lenta e inesquecível como a contemplação de uma cachoeira gigante. Lenta e estimulante como uma oração na catedral da alma... A liberdade de pensar não é um meio com o qual atingimos uma liberdade maior. A liberdade de pensar é um objetivo com o qual atingimos a própria liberdade de existir...” (Leonardo Boff, O despertar da Águia, 209).
Adriano, personagem de Youcernar lembra-nos que: “Um homem que lê, pensa ou calcula, pertence a espécie e não ao sexo; nos seus melhores momentos ele escapa, inclusive, ao humano” (Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano, 70).
Para circunstâncias como a nacional, em O Leitor Criativo, Gabriel Perisse ensina: “... Uma sociedade que deseja recompor-se precisa construir uma linguagem nova em folha, própria dos que redescobrem a pureza do sexo, a ousadia da gratidão, a aventura da gratidão, as exigências do trabalho, a verdadeira função do lucro, o papel da universidade etc... Uma pessoa que deseja expressar-se com mais criatividade e bom senso deve seguir o conselho de Clarice Lispector que, escritora e dona de casa, segredou certa vez: “Todos os dias, quando acordo, vou correndo tirar poeira da palavra amor”. (Gabriel Perisse, O Leitor Criativo, Ômega Editora, São Paulo, 2001, 10, 15-16).
A leitura exige um esforço de conquista, pois “todo livro é como uma fortaleza que não pode ser conquistada por fora. Do contrário, acharíamos ser suficiente a leitura que nos obrigam na escola.” (Boris Gunjevic, Todo Livro é como uma fortaleza: a carne foi feita verbo. In ZIZEK, Slavoj; GUNJEVIC, Boris. O sofrimento de Deus, Invenções do Apocalipse, p 109.) Assim: “Não se pode obter nada de uma leitura feita sob pressão. Se todo livro é uma fortaleza, eles precisam ser conquistados por dentro: é preciso haver o desejo de dominar o texto com uma intenção subjetiva. Somente esse tipo de leitura se torna uma luta de classes, e dizemos isso com uma pitada de anacronismo irônico. Daí a leitura ser primordialmente uma forma múltipla de comunicações e um locus de lutas ideológicas, como sempre foi dito por Roland Barthes... Ler numa época dominada pela “imagem” não é algo que se faz nas horas vagas, ou como privilégio de uma minoria dominante, mas antes como prática diária de resistência aos sistemas interligados de poder e controle. É por esse motivo que estratégias de leitura se tornaram categoria fundamental das estratégias políticas...”
Neste sentido, Paulo Freire lembra que “a compreensão de um texto não é algo que se recebe de presente. Exige trabalho paciente de quem por ele se sente problematizado” (Paulo Freire, Considerações em torno do ato de estudar, em Ação Cultural para a liberdade e outros escritos, p. 14).
Rodner Lúcio explica que “o sentido de um texto não está no texto, não está no autor do texto, está no leitor do texto, munido de seus filtros existenciais.” De tal modo, “é preciso considerar os modos como as pessoas leem o mundo, dão significado às suas práticas e relações, como se explicam e se situam nas teias de relações em que se inserem.” Nesta dinâmica, muitas vezes, “uma coisa é o que o autor escreve, outra coisa é o que o leitor apreende.” Daí que, “nem sempre a leitura “liberta”. A leitura também cega, reforça obscurantismos.” (Euripedes dos Santos).
Uma revolução não se faz sem livros: “Sem leitura promovemos muitas passeatas, mas nenhuma revolução” Rodner Lúcio. Mas uma leitura desencarnada, que não considere “a leitura de mundo do leitor”, apenas domestica.
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