No
dia 4 de setembro de 1957, Elizabeth Eckford e outros oito estudantes negros,
procurando fazer cumprir uma determinação do Supremo Tribunal dos Estados
Unidos, tentaram entrar na Little Rock Central High School, uma escola, até
então, reservada para estudantes brancos. O Supremo Tribunal dos Estados Unidos
havia declarado ilegal a segregação racial e exigia que se efetivasse a
integração de alunos negros às escolas. A imagem de Elizabeth Eckford sendo
hostilizada por alunos e pais de alunos brancos ganhou as páginas de jornais e
revistas norte americanas. E levou Hannah Arendt a redigir um polêmico ensaio,
“Reflexões sobre Little Rock”, publicado apenas em 1959 pela revista Dissent,
com notas explicativas à abordagem de Arendt sobre temas controversos, como
segregação e discriminação. Polêmicas a parte, aqui me interessa destacar a
constatação arendtiana de que nós adultos renunciamos à nossa responsabilidade
pelo mundo, empurrando-a para as crianças e jovens. Em seu artigo, Arendt
critica a exposição e o abandono de crianças e jovens aos holofotes públicos,
assumindo a posição que caberia a nós adultos ocupar. A imagem de Greta Tumberg com mega fone em mãos,
e a campanha de ódio, fake news e preconceitos que se dirigem contra ela,
reproduzem, em um outro contexto, a imagem de Elizabeth Eckford sendo
hostilizada por homens e mulheres resistentes à integração do negro à
sociedade. As questões que envolvem a proteção do planeta e a preservação do
mundo, espaço das relações humanas, são questões que nós adultos deveríamos
estar enfrentando. Mas, parece-me, que a intuição arendtiana, de que nós
adultos nos omitimos de nossa responsabilidade apenas se aprofundou. Parece
patente que temos delegado às crianças e jovens enfrentarem problemas que nós
criamos e que coloca o destino do planeta, do mundo e das novas gerações em
risco. Ao invés de ficarmos atacando a pequena Greta, poderíamos nos dar o
trabalho de pensar sobre o que estamos fazendo e porque não somos nós a estar
ocupando a posição que a pequena Greta ocupa. Crianças não têm que mudar o
mundo, elas têm que recebê-lo de nós adultos como espaço que lhes possibilite a
emergência do novo. Que mundo estamos legando a nossas crianças? As novas
gerações terão um mundo a receber? A Greta e outras crianças até podem dar uma
resposta a tais perguntas. Mas é a nós, adultos, que cabe a responsabilidade de
garantir a continuidade do mundo.
Para
quem quer se inteirar das reflexões de Hannah Arendt sobre Little Rock, seu
texto se encontra em sua obra Responsabilidade
e julgamento, publicado pela Companhia das Letras.