Quando pai abria a vendinha,
Anásthacio, cedo, manhãzinha, já seu rabo de galo pedia. “Era para ligar-se ao
mundo”, dizia. Depois tomava rumo da estação, e já finzinho de tarde, junto com
os operários da velha fábrica de tecidos, Anásthacio, encostava a jogar dominó
e contar casos. “A quem couber o chapéu, faça uso!, era um seu bordão.” Todos
davam o “galego”, assim o chamavam, por homem instruído, lia jornal, trazia consigo
sempre uma revista, um livro. Não era de se embriagar, tomava seu rabo de galo,
“pra se ligar ao mundo”, e outro “para o mundo abandonar”, quando pai, já
noitinha, dispensava todos e a vendinha fechava.
Dos fregueses de pai, de Anásthacio,
eu gostava. Gostava de ouvi-lo, e ele dizia que “ mal de pobre é revelar seus
sonhos de riqueza perto de padre, político e banqueiro.” E completava: “riqueza
de pobre não é grande coisa não, casinha cômoda, escola pros filhos, médico no
posto, carteira assinada. Fora isso, pobre sonha com a loteria, mas pra coisa supérfluas:
Casa na praia, carro bonito, sossego na rede. Mas vida de patrão não se ganha
na loteria, se ganha extorquindo pobre.” As pessoas riam de seus gestos com as mãos
simulando destroncar galinha pro almoço, como vó fazia. Extorquir ganhava
sentido.
Numa peleja com Zózimo, soldado
do batalhão da polícia, que dava a ultima voz em tudo, até nas contas de pai, dado
a chamar trabalhador de preguiçoso e pobre de sossegado e vadio, “tem é que
matar”, dizia, invocando a proteção de Nosso Senhor Jesus Cristo, Anásthacio,
sem perder a linha emendou: “desconfie (querendo dizer: não confie de maneira
alguma) de quem não tendo nada, pensa primeiro no que pode perder. Geralmente,
são pessoas que abraçam quem lhes pede o sacrifício por um algo impreciso: “vida
melhor”, neste mundo, no futuro, porém, quando o bolo crescer, ou numa beata eternidade
que não é certa, pois, depois de tanta penitência corre-se o risco de não a
merecer. Tem quem humilha o empobrecido (sim, as pessoas são tornadas pobres)
porque acredita ter vencido na vida, porque consegue pagar a crédito o naco a
mais de carne no prato. Desconfie dessa gente, é capitão do mato, é capataz,
porque come da mesa do senhor e não se acha servo... É comum a quem se desdobra
para ser admitido como membro de uma classe que o desdenha a boa formação, o
bom estudo, os títulos na parede – viseiras – escarnecer de quem já é humilhado
e extorquido.”
“Comunista, fdp. Ateu do
caralho...”, esbravejava Zózimo.
“Desconfie, meus amigos,
desconfie, de gente que no meio de empobrecidos operários, se faz acima de
tenente, mas sequer tem patente. Não digo quem é, mas se o chapéu couber, faça
uso” .
Pai, para evitar maior
confusão, ia dispensando uns e outros e baixando a porta da vendinha. Na manhã seguinte Anásthacio não apareceu
para o tradicional rabo de galo. Zózimo sim, trazendo uma ordem judicial que
proibia as reuniões e manifestação de teor político, autorizando a autoridade
presente (no caso Zózimo, que mesmo sem patente achava-se mais que tenente),
dar voz de prisão a quem imitisse opinião...
Tenho saudades de Anásthacio
quando lei que mais uma global, não me interessei pelo nome, andou desdenhando nortistas
e nordestinos e pedindo para deputados se calarem; que a policia de Santos
andou prendendo artista; que houve manifestação pro Trump, na paulista; que o
MBL está a combater adolescentes em porta de escola e o Malafalsa teve um gozo
com o Crivella...
Eu sou esquerdopata,
confesso. Isto significa que deveria, por questões dialéticas, ter os
direitopatas. Mas, infelizmente não existe! E a direita brasileira, se existe,
e quer ter algum respeito, tem que vir a público esclarecer que quem dá audiência
a esses aloprados, não são nem arremedos do que poderia vir a ser os direitopatas.
São apenas seres bizarros, que, por comer, a crédito, Mclanche Feliz, se acham príncipes
de Mônaco.
Eu sigo a risca o que Anásthacio
ensinou-me: desconfio de quem desdenha do empobrecido, seja do norte, do sul,
da África, dos EUA. Sim, as pessoas são
extorquidas até de seus sonhos, por padres, pastores, políticos, juízes, banqueiros...
Eu não dou a mínima a quem sustenta a
meritocracia da compra a prazo e, não passando de consumidor, se acha um com os
que nos roubam: São seres sem patente com arroubos de presidente, deste embuste
que nos governa.
Quando eu vejo cenas de policiais armados de cassetetes, bombas de gás, e a característica truculência e arrogância da força militar, tratando com adolescentes, não posso deixar de pensar no velho ANÁSTHACIO que costumava dizer: "Militar é de capitão acima! Abaixo é pobre fardado com ódio de pobreza". Quanto a um Deus de Brasilia, eu ainda estou com vó: "Juiz, meu fio", dizia, "é um terceiro que se locupleta das partes".
Quando eu vejo cenas de policiais armados de cassetetes, bombas de gás, e a característica truculência e arrogância da força militar, tratando com adolescentes, não posso deixar de pensar no velho ANÁSTHACIO que costumava dizer: "Militar é de capitão acima! Abaixo é pobre fardado com ódio de pobreza". Quanto a um Deus de Brasilia, eu ainda estou com vó: "Juiz, meu fio", dizia, "é um terceiro que se locupleta das partes".
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