quarta-feira, novembro 23, 2016

TEU CANTO




Para Patrícia Nascimento

Teu canto é memória de uma história que nos querem negar. É a lembrança dos  milhões de homens e mulheres de Nigéria, Cabo Verde, Congo Moçambique, Daomei, Angola, Zaire, Quiloa, Zimbáue, extraviados de suas terras de seus pais, filhos, esposas maridos e traficados como mercadoria barata em porões de tormento e aflição. Teu canto é a memória da tenebrosa travessia atlântica em que muitos deles ficaram dispersos mar adentro por não resistirem a sua desumanização.

Teu canto é memória do ferro em brasa marcando a carne, tornando esses milhares de homens e mulheres iorubas, gegês, fanti-ashantis, fula, mandinga, haussas, tapas, bantus... propriedades de impiedosos senhores; da água da cristandade banhando seu rosto, negando, em nome da trindade, sua religiosidade, seus orixás: Nanã, Iansã, Oxala, Xangô, Oxossi, Oxun;  da chibata expropriando seu corpo, seu trabalho, tornando-o mercadoria, moeda, objeto de sádicos desejos.

Canta que teu canto é história dos que enfrentaram a opressão, organizaram os irmãos, fundaram quilombos e resistiram à escravidão. Teu canto é a luta de bravos guerreiros e guerreiras, tombados na luta por liberdade.

Canta para não nos deixar esquecer, pra ferida não cicatrizar, pra não nos dizerem que a harmonia se deu. Canta porque nosso irmão ainda agoniza devido a cor de sua pele, por cultuar seus ancestrais, por querer educação, moradia, trabalho, saúde, a segurança de caminhar e sorrir e não estar sendo filmado por olhares desconfiados... Canta teu lamento, tua dor, porque teus filhos ainda morrem executados, vitimas do tráfico, da polícia-milicia, da elite imperialista, da burguesia patriarcal, da intolerância de pastores-Senhores de um Deus que não se encontra em seus livros. Canta porque fazem da periferia senzala e nos transportam como gado, nos tratam como escória. Canta porque, em lautos jantares, dão curso ao golpe, restringem o direito dos pobres...


Canta que teu canto não é lamento (que chamem vitimismo); é  luta, é resistência. Canta porque em teu canto está a dignidade que haveremos de conquistar.  Canta porque teu canto é a dor de nossos avós, a ESPERANÇA de nossas crianças: Queremos o que é de todos: Não podemos parar de Cantar! A harmonia não se deu, não somos, ainda, uma democracia... 

Nenhum comentário:

Postar um comentário