Para Patrícia Nascimento
Teu canto é memória de uma história que nos querem negar. É a lembrança
dos milhões de homens e mulheres de
Nigéria, Cabo Verde, Congo Moçambique, Daomei, Angola, Zaire, Quiloa, Zimbáue,
extraviados de suas terras de seus pais, filhos, esposas maridos e traficados
como mercadoria barata em porões de tormento e aflição. Teu canto é a memória
da tenebrosa travessia atlântica em que muitos deles ficaram dispersos mar
adentro por não resistirem a sua desumanização.
Teu canto é memória do ferro em brasa marcando a carne, tornando esses
milhares de homens e mulheres iorubas, gegês, fanti-ashantis, fula, mandinga,
haussas, tapas, bantus... propriedades de impiedosos senhores; da água da
cristandade banhando seu rosto, negando, em nome da trindade, sua religiosidade,
seus orixás: Nanã, Iansã, Oxala, Xangô, Oxossi, Oxun; da chibata expropriando seu corpo, seu
trabalho, tornando-o mercadoria, moeda, objeto de sádicos desejos.
Canta que teu canto é história dos que enfrentaram a opressão,
organizaram os irmãos, fundaram quilombos e resistiram à escravidão. Teu canto
é a luta de bravos guerreiros e guerreiras, tombados na luta por liberdade.
Canta para não nos deixar esquecer, pra ferida não cicatrizar, pra não nos dizerem que a harmonia se deu. Canta porque nosso irmão ainda agoniza devido a cor de sua pele, por cultuar seus ancestrais, por querer educação, moradia, trabalho, saúde, a segurança de caminhar e sorrir e não estar sendo filmado por olhares desconfiados... Canta teu lamento, tua dor, porque teus filhos ainda morrem executados, vitimas do tráfico, da polícia-milicia, da elite imperialista, da burguesia patriarcal, da intolerância de pastores-Senhores de um Deus que não se encontra em seus livros. Canta porque fazem da periferia senzala e nos transportam como gado, nos tratam como escória. Canta porque, em lautos jantares, dão curso ao golpe, restringem o direito dos pobres...
Canta que teu canto não é lamento (que chamem vitimismo); é luta, é resistência. Canta porque em teu canto está a dignidade que haveremos de conquistar. Canta porque teu canto é a dor de nossos avós, a ESPERANÇA de nossas crianças: Queremos o que é de todos: Não podemos parar de Cantar! A harmonia não se deu, não somos, ainda, uma democracia...
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