sábado, novembro 05, 2016

OS OLIVAS


Tinha lá Perseu, dado a fazer versos para enamorar Judithe. E Perseu se saiu com essa: “Minha amada, não te esmaeças/ É tempo que os olivas nos amargam a vida/ e seus espinhos/ ferem-nos a carne,/ Tira-nos os filhos/ Fruto novo a flor já anuncia/ Recolha o temor,/ altiva Rainha. O sombrio que nos encalça/é nuvem e já passa: Temer não é de nossa raça.”
Tinha lá uns gramáticos e riram-se: “os olivas, kkkkk! Vejam só!: não combina o artigo ao substantivo e quer versejar.  Kkkkkk!
Athilio socorreu o poeta: “homem do povo, não dê ouvido aos doutos, quando presos às regras, o sentido não enxergam, ou, como lhes convém, desprezam”.
Tinha lá um que se ofendeu com a defesa de Athilio: “Oh matuto! Quem tu pensas ser, para advogar contra nosso parecer?”
Athilio bicou uma cachaça, fiou seu fumo de corda, tomou a voz: “Sou matuto, homem de pouca fala, mas não sou estulto. E bem sabeis que o homem do povo não fala de azeitonas, mas dos homens de fardas e do regime que nos oprime e “amargam a vida”; fala que estes tratam-nos como escravos, tramam contra nós em lautos jantares, tira-nos o sono, a tranquilidade, enche-nos de incertezas, “ferem-nos a carne”, quando nos manifestamos e exigimos nosso naco de pão; “tira-nos os filhos”, exterminam nossos jovens e somem com seus corpos; “não esmaeças”, não percas o sentido de teu ser, de tua cor, de tua origem; “é nuvem e já passa”, todo governo que não tem no povo sua força, assombra, mas não vinga. Dura séculos, mas não vinga, é fruto temporão. Mas o fruto novo, o que sustenta a luta, o que mantém a resistência, a “flor o anuncia”: É o reinado do povo. E  “Temer não é de nossa raça”, diz que havemos de resistir, mas diz, sobretudo, que quem nos governa nós não o reconhecemos. Seu governo é desfaçatez e dissimulação, é engodo, preparação para o “sombrio que nos encalça”. Athilio bicou cachaça, pitou fumo e conjecturou consigo: “Judithe não é mulher; é um povo prenhe de seu reinado”...

Os gramáticos voltaram às redações de seus jornais e editaram “Fumo de corda e cachaça matam matuto”. Noutra pagina se pode ler: “poeta é preso: capitão achou de mau gosto ele não obedecer a gramática.”   

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