sábado, junho 06, 2020

AMANHÃ




Quando o dia da paz renascer
Quando o Sol da esperança brilhar
Eu vou cantar... (Utopia, Zé Vicente)


Eu sempre acreditara que seria breve, que havia nascido para poucos dias, poucos anos, que não passaria dos trintas. Ensaiei não chegar aos quarenta, ensaios erráticos, que apenas trouxeram preocupações a terceiros. Esses ensaios ensinou-me que um suicida não escolhe o dia de sua partida; contra a morte não há vontade, não basta querer é preciso que a morte queira, é ela quem escolhe o momento. Senão for de sua vontade, a corda arrebenta antes do sufocamento, a queda quebra os ossos, mas não dilacera os órgãos, não te conduz para além da dureza do chão.  Tenho aguardado, então, que ela se apresente, que ela me decida. Há, porém, esses dias difíceis, dias em que o noticiário faz-se me convite a novos ensaios... Entro, então, em batalhas perdidas, está sim minha sina. Faço aqui minhas as palavras de Darci Ribeiro, eu sempre estive do lado dos que perdem: dos que perdem a terra, perdem os filhos, perdem a dignidade, mas que conservam a utopia, a verdadeira insanidade.
Insano é querer viver um outro dia que já se anuncia em trevas... Amanhã o sol não vai brilhar, os botões não florescerão, cães fardados pisotearão as sementeiras e árvores serão podadas antes dos frutos. Os que sonham um outro mundo, um mundo em que não sejamos números – números de uma estatística perversa marcada de balas perdidas e quedas de edifícios – sentirão o peso da mesquinhez, da arrogância, da intolerância dos senhores. Amanhã, mais uma vez, a utopia sucumbirá à ideologia supremacista. Amanhã não há de ser “Tempo novo de eterna justiça/ Sem mais ódio sem sangue ou cobiça.” Não, amanhã não haverá canto ou poesia, amanhã é tirania...
Mesas cheias de pão, cercas e muros ao chão, o povo na rua a sorrir é só a insanidade que alimenta-me enquanto a morte não me decide. Amanhã, então, haverei de entrar em outra batalha perdida, que é minha sina: que o decreto que encerra a opressão triunfe ou que a morte sorria pra mim.

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