A verdade só pode ser dita nas malhas da ficção. Jacques
Lacan
Na
noite de 27 do corrente mês, por volta das 20h, fomos acionados para uma
ocorrência na região da Tijuca com Higienópolis, na área das grandes
habitações. Chegamos à rua Dos Tucanos, número 171, local da ocorrência.
Deparamos com uma distinta senhora, que nos atendeu: “graças a Deus vocês
chegaram, meu genro surtou: a bolsa caiu dois pontos, o dólar nas alturas...
Ele agrediu minha filha...” Enquanto a distinta senhora nos relatava os fatos,
o cidadão de bem, genro da distinta senhora, saiu à porta da residência e nos
acolheu sustentando em uma das mãos uma pistola semi automática, enquanto
puxava a esposa pelos cabelos com a outra. E com toda gentileza de sua classe
nos chamou de seus vassalos, chupa saco, coisa e tal e nos questionou com as
seguintes palavras: “o que vocês querem aqui, seus merdas?” E em seguida emendou:
“vocês são valentes lá nos bairros baixos, aqui quem late e rosna é nóis; aqui
vocês balançam o rabo e dão as patas, seus bostas”. Tomando pé da situação
reconhecemos que o cidadão de bem não faltava com a razão. Em plena crise a
esposa insistia em fazer compras em Miami. Qualquer sujeito perde mesmo a
cabeça. Pedimos desculpas por perturbá-lo e Informamos à distinta senhora sua
sogra que se ela continuasse a se queixar do genro a levaríamos presa... Reforçando
nossos pedidos de desculpas e nos colocando a inteira disposição do cidadão de
bem, retornamos à viatura. Pudemos ouvir, ainda, o gentil cidadão dizer-nos: “Isto,
vão esculachar uns neguinhos por ai, seus botas, é pra isto que eu pago
impostos”. Consideramos, novamente, razoável a fala do distinto cidadão, não
entendemos de economia: dois pontos na bolsa, o dólar ao preço que está... Realmente,
não há cidadão de bem que não surte.
Já
por volta das 22h10, passando pela padaria “Pavão Misterioso”, para uma tradicional
coxinha. Ali, deparamo-nos com Pedro Mata Sem Vê, conhecido chefe de uma boca
na redondeza que conversava com um seu associado nos seguintes termos: “tem uns
perrengues ai atrapalhando os negócios, uns papos de cursinho universitário, de
biblioteca comunitária, umas paradas assim de ocupar a molecada com arte
educação..., estas paradas atrapalha os negócio...” Meu parceiro que
acompanhava a conversa, terminando sua porção, pediu respeitosamente licença na
conversa: “É nosso dever proteger quem movimenta a economia local; quem trás
desenvolvimento para a comunidade” e ofereceu nossos serviços para proteger o
promissor negócio de Pedro Mata Sem Vê. O distinto cidadão, agradeceu, informando-nos
que tinha métodos próprios para lidar com a situação: “Nóis apaga um ou dois
tipos e tudo se ajusta!”.
Deixando
a padoca e tomando a Ladeira do Lava Pés nos deparamos com dois tipos suspeitos,
pelo modo de andar, as roupas, o estilo de cabelo, mochila nas costas, não pestanejamos,
fizemos sinal para que eles parassem. Eles prontamente encostaram à parede e
levaram as mãos à cabeça. Logo percebemos que eles estavam acostumados com o
procedimento. Meu companheiro já desceu da viatura descendo a borracha e
escrachando geral. Pra não ficar no prejuízo, também já desci da viatura
descendo a bota. Jogamos os dois no camburão... Rodamos algumas horas com os
dois. Desovamos os corpos lá no Almas Perdidas. Depois não vimos mais... Meu
parceiro e eu, recitamos passagens da Sagrada Escritura, agradecendo o Bom Deus
sua divina proteção e o justo discernimento no enfrentamento da criminalidade...
Foi um rotineiro e maçante plantão, o cumprimos com dignidade.
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FAMILIARES
PROCURAM JOVENS DESAPARECIDOS NO RETORNO DA ESCOLA... (Diário de Depois de Lá,
29 do mês corrente)
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