sábado, agosto 17, 2019

O HOMEM BOSTA


Dia destes, eu explicava à minha sobrinha a origem da expressão “fala mais que o homem da cobra”. O sujeito apresentava-se em feiras livres e praças com um saco na mão, anunciando haver naquele saco uma cobra lendária, vinda da Amazônia. E o sujeito falava “sem tomar respiro”, como dizia minha tia. Ele emendava uma conversa em outra, puxava assunto com os rapazes, fazia gracejo às mocinhas e nada de apresentar a cobra. E falava, falava, falava. De quando em quando, ele fazia rodar uma caneca ou um chapéu pedindo uma contribuição da plateia. Era um espetáculo o homem da cobra! E ele atraia curiosos de todas as idades.  Mas feira-livres e praças públicas são também palcos de batedores de carteiras. Você se entretém com o homem da cobra, com o sujeito que cospe fogo, com a contorcionista, com o jogo de dado na caneca, é feira-livre já foi um lugar encantador, e quando se dá conta, lá se foi sua carteira com documentos e economias. Nos tempos sombrios em que estamos, elegemos essa espécie de homem da cobra, sem o romantismo e a eloquência do personagem da cultura popular. Cada vez que abre a boca, é um “deus nos acuda!”, “não há sabão ou pimenta”, praticas de vó, que “emende a língua desse diacho”. Mas o que encanta sua plateia não é sua diarreia verbal não, seus espectadores não pensam diferente e o aplaudem deslumbrados.  Seu encantamento é uma caneta bic, que ele não cansa de exibir. E a cada canetada sua, perdemos algum direito, tira-nos educação, saúde, futuro digno.  Isto me lembra um dito de vozinha, que era muito sabia: “Fio, não importa se é com o polegar ou com bico de pena que assinamos, o diabo uma hora cobra”. No voto, vendemos nossa alma ao diabo. Ele só está cobrando. O diabo poderia, ao menos, ser mais elegante. Ele tinha que nos entreter justo com o homem Bosta?

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