Máscaras e teatro são inseparáveis e remontam às populações primitivas, quando o homem pré-histórico fazia as primeiras pinturas nas paredes das cavernas ou, ao redor de fogueiras; narrava aos companheiros sua jornada, fazendo uso de gestos, movimentos, sons, procurando representar um animal, seu rugir, seu aspecto ameaçador, o correr das águas, o canto dos pássaros, as forças da natureza, a destreza de um companheiro. E “o teatro existe desde que o homem passou a sentir a necessidade de sair de si, de despersonalizar, de disfarçar, de escapar do dia-a-dia para expressar outras maneiras de ser. Seja em rituais ou no teatro, experiências desse tipo sempre existiram, desde os primórdios” (Ana Maria Amaral [1]).
A máscara evoluiu a partir das pinturas como um objeto "mágico", representando forças, conceitos, valores, significados, funções, arquetipicos. Endossando a máscara, a pessoa que a usa se despersonalisa e “transforma-se em deus, em animal, em força cósmica” (idem), entra em um mundo outro, divino, místico, sobrenatural.
O mundo grego fazia uso frequente de máscaras em ritos religiosos, como nas festas a Dionísio, e está na origem do teatro grego. Assim, “o traço peculiar da civilização grega é o uso da máscara teatral que, a partir da segunda metade do século VI, caracteriza o evento cultural destinado a marcar a história do Ocidente: o nascimento da tragédia” (Catarina Barone [2])
Explica Catarina Barone que no teatro grego, na coexistência da dimensão sagrada e profana, “a máscara assume duas funções: uma ritual e uma prática. A ligação com o culto de Dionísio a conecta, de fato, à esfera religiosa, colocando-a dentro de um ritual. Mas, por outro lado, a rígida convenção que limita o número de atores a três, forçada a interpretar mais personagens, até mesmo uma dúzia, torna indispensável o uso em performances teatrais trágicas e cômicas.” No entanto, alerta Barone,
Há uma diferença substancial entre as máscaras da tragédia e as da comédia. O primeiro não retratava traços atribuíveis a um personagem definido, e a identidade era conotada pelo vestido, pelos acessórios e, é claro, pela ação. [...] Quanto às máscaras da Comédia Antiga (Archaia) do século V e IV aC C., em vez disso, é hipotetizado que em alguns casos eles poderiam ser modelados nas faces de personagens bem conhecidos do público, de modo que a paródia se mostrasse mais icástica e eficaz [...], eliminando perigosamente, pelo menos em parte, o efeito de estranhamento e "distanciamento. (Catarina Barone, Op. cit.)
Lembra, ainda, a Barone que nos tempos clássicos a máscara, feita de vários tipos de material (linho, cortiça, madeira, couro) e equipada com uma peruca, cobria toda a cabeça, deixando apenas os olhos do ator e o movimento dos lábios pela boca ligeiramente aparentes. E para designar o poder ou papel representado se utilizava objetos específicos associados às máscaras: tiaras para reis e rainhas; coroas para mensageiros, ligaduras para sacerdotes, sacerdotisas e adivinhos. Depois, as máscaras eram completadas pelos figurinos.
Entrar no universo de uma máscara e tomar parte da experiência de sua criação é uma experiência que necessita, além da habilidade manual, atenção, tempo, paciência e uma atento estudo da psicologia do personagem a que se quer dar vida. Como afirmam Federica Mori e Francesca Sartorio [3]: “Uma boa máscara é acima de tudo uma máscara com um forte poder comunicativo, que cumpre seu significado primário de tornar o corpo que a anima “diferente de si”” . E carregada de simbolismo e história, a criação de uma máscara exige: “uma ideia precisa e um estudo do que ela é e representa.
Para Duccio Barlucchi :
Quando um endossa uma máscara deixa de ser ele próprio para ser o que a máscara lhe impõem. Uma vez endossada, é a máscara que lidera o jogo e leva o ator a descobrir gradualmente atitudes físicas, expressivas e vocais mais adequadas; é ela quem guia e traz uma presença de gestos, movimentos, vozes, ao seu portador, que revelam muitos aspectos não da pessoa, mas da máscara. Ao mesmo tempo, a mesma máscara usada por pessoas diferentes dará origem a diferentes transformações, permitindo também trabalhar as características pessoais. (Duccio Barlucchi, [4])
Assim,
A máscara para cumprir sua função, precisa contar com a postura e presença física de quem a usa. Sua expressão, sem o olhar humano que a anime, e sem um corpo presente para dar a fisicalidade adequada, permanece vazia, e a máscara um mero objeto. (Idem)
Quem pretende confeccionar uma máscara, deve modela-la, antes, na própria mente, invocando as características psíquicas, morais ou energéticas que pretende colocar em relevo, evidenciando o que a máscara é.
Feita para despertar o sentido de ser, para revelar o sagrado na natureza e no humano, “a máscara deve ser bem feita, a fim de ser feita para viver”. De tal modo, a máscara deve ser uma boa escultura, capaz de vitalidade cênica, de comunicação emocional, de integração com o corpo e a aparência do usuário trazendo para fora o outro de si mesmo” (BARLUCHI, Op. cit)
Imagens e Máscaras resultantes de Oficinas no Espaço Cultural Opereta, orientadas por Claudio Domingos Fernandes
Notas
[1] AMARAL, Ana Maria. O Ator e seus duplos, máscaras, bonecos, objetos. São Paulo: SENAC/SP. 2002, p. 41
[2] BARONE, C. 'La maschera antica sulla scena contemporanea: tragedia e commedia', Percevejo Online, vol. 5, n. 02 (2014), 35-54. Disponível em: www.seer.unirio.br/index.php/ opercevejoonline/article/.../3261
[3] MORI, Federica e SARTORIO, Francesca. L’importanza della maschera teatrale e il mestiere del mascheraio. Disponível em https://aula41.wordpress.com/2015/07/05/limportanza-della-maschera-teatrale-e-il-mestiere-del-mascheraio-federica-mori-e-francesca-sartorio/
[4] Teatro d’Impresa. Le Maschere Teatrali come strumento formativo efficace. Intervista a Duccio Barlucchi. Disponivel in: www.teatroimpresa.it/ admin/dati/336_Intervista%20Duccio%20Barlucchi%20-%20Mas chere.pdf