domingo, abril 29, 2018

1968


O ano era 1968. O dia, um domingo de maio. A cunhada avisara que iria para o almoço. Preparou arroz, feijão com calabresa, costelinha de porco no forno e torresmo, batatas cozidas e douradas com alho e óleo, salada mista de alface, cebola tomates e palmito. A cunhada chegou ignorando a invernal jornada,  exuberava elegância e sensualidade em um tubinho de estampa com motivos geométricos acima dos joelhos uma echarpe atada à cintura, tailleur de mesma estampa do tubinho, botas brancas e cabelos soltos. Trouxe um porto e a sobremesa: queijadinhas. Durante o almoço mostrou-se apreensiva com o rumo dos acontecimentos no Brasil e no mundo: “desconfiamos de tudo e de todos, me sinto vigiada por todos os lados”. O marido manifestou a mesma preocupação e professou intenção de sair do país. Opôs-se à ideia, não se via sem a presença da cunhada. Depois, tinha a grata noticia que portava a cunhada: esperava um bebê. Depois do almoço, os maridos saíram para jogar dominó e acompanhar “o jogo do titulo” com os amigos.  Fechou-se no quarto com a cunhada. As crianças brincavam pela casa. De tanto em tanto se ouvia risadas, uma ou outra interjeição. Sentadas na cama folheavam revistas, confidenciavam preocupações, sentimentos, emoções, faziam planos para o futuro que se anunciava no ventre da cunhada... Acariciavam-se com pudor. Ficaram longamente abraçadas, deitadas na cama, numa inconsciente despedida. Tomaram café, fumaram cigarro, ouviram música na vitrola.... Os maridos voltavam festivos, com gols de Edu, Pele e Toninho, o Santos sagrara-se campeão. A noite apenas chegava, a cunhada partiu com um seu sobretudo. Quis dizer-lhe algo, mas a palavra não veio, travou na garganta. Apenas acenou um aceno apreensivo. Na quinta que se seguiu, o dia terminava, chegou a noticia de sua prisão e do marido. Não souberam dizer como, quando e por quê. Até hoje espera informações que a esclareçam e dê conta do paradeiro da cunhada, do irmão, do sobrinho. Guarda sufocado no peito um “eu te amo!”, impossibilitada de pronunciar. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário