Não sei dizer não/ Pra quem gosta de mim (Rita Lee, Benzadeusa)
Todas
as manhãs indo para o trabalho, passo por uma casa. Tem sempre ali uma que está
a varrer a calçada em frente ao portão. Geralmente ela veste um roupão de
banho, ou um penhor florido de abotoar. Algumas vezes, em dias de verão, é
possível encontrá-la numa regata larga e um short de malha justo ao corpo. É
difícil conter o olhar, que, por um instante fugaz, se espicha a esquadrilhar
os contornos de seus seios soltos e de sua vulva delineada. Neste atrevimento
escópico, certa feita, fui flagrado, por seu olhar. Ao meu rubor de vergonha,
ela respondeu com um sorriso inquietante.
Nos dias que se seguiram, não mais a vi. Conjecturei estar passando fora
de horário; tê-la agredido com um olhar mais atrevido, mudando sua rotina. Fui
encontrá-la, certo sábado, na feira. Eu estava a escolher laranjas: “parecem
boas!”, disse, dirigindo-me a palavra. “O preço, está convidativo”, redargui,
oferecendo-lhe um tímido sorriso. Na segunda que se seguiu, eu passando para o
trabalho, a encontrei a limpar a calçada, como de costume. Quando me viu,
acenou: “Bom dia!” Respondi, com um breve aceno, e segui em frente. Passou a
ser comum, estes gestos matinais. Na noite de ontem, eu estava na academia,
quando: “posso revezar contigo, no aparelho?”.
“Claro!”, respondi no automático, sem dar-me conta, pois estava de
costa, de que era ela. E surpreendi-me, ao virar-me. Ela sorria-me gentil, num
conjunto de malha cropped e short saia, cinzas, o corpo suado. Revezando os
aparelhos, acompanhava seus movimentos. Seus olhos sorriam-me, os meus a comia.
Entabulamos alguns comentários sobre a sequência de exercícios, a dificuldade
de um ou outro, a pouca atenção do instrutor. Ela quis saber onde eu morava.
Disse-lhe que algumas quadras de sua casa. Saindo da academia, ofereceu-me
carona. Aceitei. No trajeto falou-me de sua rotina, perguntou sobre a minha. E,
então, explicou-me que se matriculara na academia para poder aproximar-se de
mim. A certa altura, ela parou o carro, pousou sua mão à minha perna,
ofereceu-me seus lábios: “Anabhelle, eu tenho namorado!”, disse-lhe... Anabhelle
está lá fora limpando a calçada. Eu me preparo para sair para o trabalho. À
porta da geladeira, deixo-lhe um bilhete transliterando versos de Rita Lee: “Mergulhastes
na menina dos olhos meus, me fizestes bandida!”
Nenhum comentário:
Postar um comentário