quinta-feira, setembro 28, 2023

OLHOS DE CLARISSA

 


Na beleza desse teu olhar/ Eu quero estar o tempo inteiro. Agepê

 

A litorânea Olhos de Clarissa é destes lugares paradisíacos de cenário encantador. De beleza ímpar, Olhos de Clarissa tem flora e fauna exuberantes. De clima tropical atlântico, suas praias  acolhem o mar, em seu verde cristalino, a descansar maroto em suas areias. Seu entardecer é um convite ao abandono de si, no abraço de céu e mar no horizonte. Em Olhos de Clarissa de mim me esqueço. Oásis de encantos e mistérios, Olhos de Clarissa não me deixa soçobrar ao peso de uma existência desnecessária. Quando meus olhos posam em Olhos de Clarissa, já não penso no risco que me sou. Seu brilho natural seduz, envolve, cativa. Recanto para minhas fantasias é o que se pode dizer de Olhos de Clarissa. Nela  me enleio para não me encontrar comigo e perder-me em desatinos. Em Olhos de Clarissa deambulo em noites insones, e por me perder por seus encantos e mistérios, à  amiga faca e seus sussurros já não dou ouvidos. Em noites vazias, em que a lua se ausenta, contra as desrazões que me alucinam, Olhos de Clarissa brilham-me e me guiam. Então, em suas praias me enleio, escapando ao incerto pulo no absurdo. Olhos de Clarissa são me faróis no mundo.


terça-feira, setembro 12, 2023

O TEMPO NÃO PARA

 

Cazuza tem uma canção que, de tanto em tanto, me descreve: O tempo não para. Da canção falta-me uma metralhadora e falta-me magoas. Desconheço também os que me detestam. Se não tenho arranhões é porque não me arrisco a andar na contramão, que dirá correr na direção contraria. Aqui estou mais para uma canção do Zeca Pagodinho: Deixo a vida me levar. Nos dias sim, eu cultivo flores e alimento pássaros. Nos dias não, e nas noites frias, em que eu não devia nascer, eu tenho os beijos de Ione. Então, sem matar, nem morrer, eu vou ficando; remoendo passados, já que não me vejo num futuro. Não faço questão de que minhas ideias correspondam aos fatos: fatos são gatilhos. Pelo beijo de quem eu amo, pela expectativa de um café, num fim de tarde com quem quero bem, me recolho com meus fantasmas. As poucas pessoas com quem me relaciono acreditam que a piscina, ora cheia de ratos – até quando? –, pode ser restituída às crianças. De suas ilusões  eu vou sobrevivendo, fazendo de uma outra canção do Chico Cesar minha prece: “Deus me proteja de mim e da maldade de gente boa”, principalmente: “Da bondade da pessoa ruim.

quinta-feira, setembro 07, 2023

ANABHELLE


Não sei dizer não/ Pra quem gosta de mim (Rita Lee, Benzadeusa)

 

Todas as manhãs indo para o trabalho, passo por uma casa. Tem sempre ali uma que está a varrer a calçada em frente ao portão. Geralmente ela veste um roupão de banho, ou um penhor florido de abotoar. Algumas vezes, em dias de verão, é possível encontrá-la numa regata larga e um short de malha justo ao corpo. É difícil conter o olhar, que, por um instante fugaz, se espicha a esquadrilhar os contornos de seus seios soltos e de sua vulva delineada. Neste atrevimento escópico, certa feita, fui flagrado, por seu olhar. Ao meu rubor de vergonha, ela respondeu com um sorriso inquietante.  Nos dias que se seguiram, não mais a vi. Conjecturei estar passando fora de horário; tê-la agredido com um olhar mais atrevido, mudando sua rotina. Fui encontrá-la, certo sábado, na feira. Eu estava a escolher laranjas: “parecem boas!”, disse, dirigindo-me a palavra. “O preço, está convidativo”, redargui, oferecendo-lhe um tímido sorriso. Na segunda que se seguiu, eu passando para o trabalho, a encontrei a limpar a calçada, como de costume. Quando me viu, acenou: “Bom dia!” Respondi, com um breve aceno, e segui em frente. Passou a ser comum, estes gestos matinais. Na noite de ontem, eu estava na academia, quando: “posso revezar contigo, no aparelho?”.  “Claro!”, respondi no automático, sem dar-me conta, pois estava de costa, de que era ela. E surpreendi-me, ao virar-me. Ela sorria-me gentil, num conjunto de malha cropped e short saia, cinzas, o corpo suado. Revezando os aparelhos, acompanhava seus movimentos. Seus olhos sorriam-me, os meus a comia. Entabulamos alguns comentários sobre a sequência de exercícios, a dificuldade de um ou outro, a pouca atenção do instrutor. Ela quis saber onde eu morava. Disse-lhe que algumas quadras de sua casa. Saindo da academia, ofereceu-me carona. Aceitei. No trajeto falou-me de sua rotina, perguntou sobre a minha. E, então, explicou-me que se matriculara na academia para poder aproximar-se de mim. A certa altura, ela parou o carro, pousou sua mão à minha perna, ofereceu-me seus lábios: “Anabhelle, eu tenho namorado!”, disse-lhe... Anabhelle está lá fora limpando a calçada. Eu me preparo para sair para o trabalho. À porta da geladeira, deixo-lhe um bilhete transliterando versos de Rita Lee: “Mergulhastes na menina dos olhos meus, me fizestes bandida!”


quarta-feira, setembro 06, 2023

Vida Lúbrica

 



 

"Aqui lânguido à noite debati-me/ Em vãos delírios anelando um beijo..." ( Álvares de Azevedo, Lira dos vinte anos)

 

Vai, poeta,

Rir em teus versos tortos

Da presunção

Dos que acham bobagem

Entregar-se  a uma clarividência

Por sua clara ausência

De evidências

Vai, poeta,

De teus sonhos ou delírios,

Sem negar a ciência

Produzir-te um sentido

Seja química

Seja Cupido

Canta, poeta,

O amor correspondido

Brinca, por brincar, poeta,

Em teus versos lúdicos

Com estas querelas

Pois a vida, poeta, é mais

E requer lubricidade

Ante os critérios de realidade

sábado, setembro 02, 2023

NAQUELE SETEMBRO

 

Nossa razão é um Davi frente ao que nos desarrazoa! (Eurípedes dos Santos)

 

Era um setembro. Saí nauseado da empresa. Remoendo insignificâncias, arrastava os passos para a estação, não via por que chegar em casa. Arrastava-me para a estação conjecturando um salto. Uma fraca razoabilidade lutava em mim: “Pedir demissão, era o mais sensato a ser feito.” A desrazão sussurrava recalcadas insidias.  Era um setembro, arrastava-me por um beco escuro, cheirando a urina e  fezes. Um casal copulando, trouxe-me à mente “Bicho”, do Bandeira. Que readequei ao momento: “Vi ontem um casal de bicho/ Na imundície de um beco/ copulando entre os detritos...” Veio-me de vomitar. “O mundo é este deprimente absurdo!”, sorria-me o desejo de não ser. Alcancei a Almirante Afonso, a estação fica à esquerda, tomei à direita. Deixava-me me conduzir por meu pouco apetite de vida. Fui dar na passarela da Algustina Freire. Amparado ao parapeito da passarela, contemplava a fila de carros lá embaixo em ritmo lento. Conjecturava o melhor momento. De algum canto uma canção  invadiu-me:   “Eu quero gozar no seu céu, pode ser no seu inferno...”. Veio-me o dia que teus olhos brilharam ao meu olhar e teus lábios sorriram-me, e, em teu gozo encontrei-me, por algum instante. Naquela noite, era uma outra a canção do Belchior que tocava na jukebox, num bar da Aguiar Coutinho: “Eu estou muito cansado do peso da minha cabeça...” No fim da noite, foi meu corpo a ficar todo marcado de batom, num pulgueiro da Alameda Comendador Eurípides. Mergulhava-me nestas lembranças, fios tênues me mantendo. Olhares ressabiados passavam por mim. E neles eu via a luz do teu olhar, o sabor de teus lábios. À lembrança de teu riso, do teu gemido estremecido, estremecendo-me, do teu cheiro depois do gozo, recobrei a promessa que a ti fiz: “só por hoje não morro!”. Corri a perder o fôlego, para chegar o quanto antes a teus braços e aninhar-me em teus sonhos... “Só por hoje insisto de ser-te motivo de existir. Não te demores: te amo perdendo-te em mim!”, leio num bilhete, marcado de batom, à porta da geladeira. Tomo meu café e saio para vencer o “leão do dia”, com aquele setembro espreitando-me. Saio com a promessa que te fiz: “só por hoje, eu não morro!”