domingo, julho 10, 2022

ELUCUBRAÇÕES INSONES SOBRE SER LIVRE

 


Se faire valoir par de choses que ne depedent point des outres, mais de soi seul, ou renoncer à se faire valor. La Bruyère

Afirme o valor das coisas que não dependa do ponto de vista dos outros, mas apenas de si mesmo, ou renuncie a julgar.

 

As coisas concretas estão aí, a liberdade transita a ausência, aquilo que se retira de sua concretude e deixa de ser sua. O campo da liberdade é o abstraído da concretude objetiva da realidade. A flor, enquanto flor, é concretude, esta aí, fugaz. O ninho do pássaro está aí, logo o pequeno pássaro há de estar, haveremos de contemplar o seu voo. É o que se abstrai desta concretude: o amor que se declara na flor que se doa à amada, a expectativa incerta do voo sem gaiolas – outra presença aí, outra concretude – do pássaro que ainda há de ser, que nos permite a arte, a crença, o conhecimento, o pensamento, a liberdade. Ser livre não é dizer o que é no que é concreto no aí presente. Ser livre é dizer do que é, aquilo que não é do que é, mas é daquele que pode dizer o é do que é. Ser livre é abstrair das coisas concretas o ser e o devir daquele que diz é. Da flor doada se diz do amor do amante. Do voo ainda a ser se diz do anelo daquele que o antecipa e já o contempla.  A liberdade não é deslocada da concretude das coisas, delas brota. Das coisas dadas, das coisas aí, de sua concretude, a liberdade se lança em voos (abstração do movimento concreto do pássaro) que configuram o espírito livre. É abstraindo conceitos, princípios, valores, sentidos da concretude das coisas aí presente que a liberdade se estrutura e significa aquele que pode dizer é, não apenas dizendo o que a coisa é e não pode deixar de ser – o pássaro não pode deixar de ser voo – mas dizendo si mesmo no do que diz da coisa mesma. O pensar é concretude: pensamos. Não somos livres porque pensamos. Somos livres dizendo-nos no que dizemos pensar. Ser livre é dizer si mesmo no que dizemos pensar, não apenas dizer o que pensa pensar. Ser livre é abstrair da concretude das coisas não o que é a coisa mesma, mas o que somos ou pensamos ser.  Eu penso é concretude. Existo não, existo é abstração. Dizer o que pensa é dizer abstrações que diz de si. Existir não é o simples pensar, é o pensar o abstraído no pensar, o abstraído que diz de si. O que penso do voo do pássaro, diz de mim não do pássaro mesmo ou de seu voo, o que penso do simples gesto de doar flores, diz de mim não da flor ou do gesto mesmo de doá-la. Não sou o que penso, mas sou no que digo pensar. Só sou livre se assumo o que digo, dizendo o que penso. Penso, mas só passo a existir dizendo-me no que penso, só sou livre apropriando-me de mim no que digo do que penso. Ser livre é ser senhor de mim mesmo, tornando-me senhor, responsável, por minhas palavras.

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