segunda-feira, fevereiro 17, 2020

JESUS DA GENTE FILHO DE MARIA DAS DORES BRASIL



Narra o evangelista Marcos que “Jesus saiu com os seus discípulos para as aldeias de Cesaréia de Filipe, e pelo caminho perguntou-lhes: "Quem dizem os homens que eu sou?" Responderam-lhe os discípulos: "João Batista; outros, Elias; outros, um dos profetas". Então, perguntou-lhes Jesus: "e vós, quem dizeis que eu sou?". Respondeu Pedro: Tu és o Cristo" (Marcos 8, 27-29). Em Mateus (16, 16) a resposta de Pedro é mais contundente: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”.
“Desde então, Jesus começou a manifestar a seus discípulos que precisava ir a Jerusalém e sofrer muito da parte dos anciões, dos príncipes dos sacerdotes e dos escribas; seria morto e ressuscitaria ao terceiro dia.” (Mateus 16, 21). E “se me perseguiram, também vos hão de perseguir.” (João, 15, 20).

"E vós, quem dizeis que eu sou?".Vinculada à nossa realidade presente, de milhares de Josés desempregados, e tantos Evaldos1 cravejados, a Estação Primeira de Mangueira trará à Marques de Sapucaí o samba enredo: A verdade vos fará livre, desfila uma resposta ao questionamento do Cristo. E em sua resposta desenha o rosto esquecido do Cristo: “rosto negro, sangue índio, corpo de mulher”, o Cristo que aparece nos corpos oprimidos da história. O Cristo da Mangueira é o Cristo que não exige conversão ou cobra dizimo, em seu amor “não há fronteiras”. Filho de Maria das Dores Brasil, “enxuga o suor de quem sob e desce a ladeira”.
Modestamente a Mangueira anuncia seu samba como uma reza, mas não, não é uma reza; é a Boa Nova como a muito não se anunciava: “Não há futuro sem partilha.”
E contra “os profetas da intolerância”, arrecadadores de dizimo, cultuadores do Messias de arma na mão, inventores de mil pecados que justificam a opressão e a exploração do povo, valendo-se de seus privilégios, a Mangueira canta o Jesus da Gente, o Jesus que anda pelos morros, pelos guetos, pelas periferias do Brasil e do mundo e se faz reconhecer no que está com fome, no sedento, no privado de liberdade: “tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber, era peregrino e me acolhestes; nu e me vestistes; enfermo e me visitastes; estava na prisão e viestes a mim...” (Mateus 25, 35-36).
No samba enredo da Mangueira não há desrespeito ou agressão ao Cristo. O atentado contra Cristo não está em representá-lo como mulher, como negro, como índio ou folião desfilando com os seus. O atentado contra Cristo está na violência contra a mulher, na violência contra os povos nativos, contra as comunidades quilombolas, na violência contra aqueles que não congregam em nossas igrejas e templos... Cristo não frequenta grandes templos, Cristo não frequenta palácios, “de peito aberto, de punhos cerrados” está nas “fileiras contra a opressão”.
Os religiosos podem ficar tranquilos, o Cristo da Mangueira não é o Cristo de suas teologias acumuladas de rancor contra o pobre, o Cristo que a Mangueira trás para a Sapucaí é justamente o pobre que nossas tradições religiosas e nossos podres poderes abandonaram. O samba enredo da Mangueira não é uma reza: é revelação. Um Deus encarnado pobre, para os rapinadores da fé é loucura. Eles não sabem que “a esperança brilha mais na escuridão” e que o Cristo não ressurge nos altares de suas igrejas e templos; ressurge “no cordão da liberdade”, pois quis identificar-se com quem padece, com quem sofre os desafios da fome, da sede, da nudez, do encarceramento, da humilhação, da negação à saúde, educação, moradia, vida em plenitude.
Mangueira, tenha esperança, haveremos de pegar a visão:  “Não existe futuro sem partilha, nem Messias de arma na mão”

1-    Em abril de 2019, uma ação do Exército matou o músico Evaldo dos Santos Rosa em Guadalupe, na Zona Norte do Rio, na véspera. O carro onde estava o artista e a família foi fuzilado com mais de 80 tiros.

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