sexta-feira, janeiro 10, 2020

TUDO POSSO, MAS NEM TUDO ME CONVÉM



 “Uma coisa é rir dos loucos outra coisa é rir dos irracionais. Rindo de um louco, corremos o risco de rir sozinhos. Rir de um irracional é mexer num vespeiro.”  



Painho, de Chico Anísio, não representa uma entidade, ou os valores do Candomblé ou da Umbanda, representa um pai de santo. Também o Tim Tones, do mesmo Chico Anísio, é um pastor inescrupuloso que só pensa em dinheiro, não representa os valores evangélicos em si, mas um charlatão. Então a sexualidade de Painho ou o charlatanismo de Tim Tones revelam estereótipo, mas não tocam na sacralidade do homem crente, principalmente do fundamentalista. Depois, estes personagens estavam num período em que dávamos passos tíbios para frente. A democracia dava sinais de que floresceria. No entanto, desde 2013, estamos, a passos largos, avançando para o passado e tornamos a ignorância e o ódio instrumentos políticos. Há quem diga que Jesus mantinha uma relação com Maria Madalena. Há quem diga que sua amizade com João Evangelista era mais que amizade. Há quem diga que ele não existiu. Uma coisa é certa, para o fundamentalista cristão, católico ou evangélico, Jesus não é um personagem, é uma entidade sobrenatural: É Deus. Caricaturar Jesus, para os fundamentalistas cristãos, não é o mesmo que caricaturar um pai de santo, um padre, um pastor, o papa. Mexer com tipos humanos, não toca o cerne de suas concepções religiosas. Painho é um pai de santo, não é o meu pai de santo. Tim Tones é um pastor, não é meu pastor. Irmão Carmelo (Jô Soares) é um padre, não é o padre que eu admiro. Para o fundamentalista cristão, Jesus não é uma pessoa, é sua concepção de mundo. É o sentido de seu mundo. E tocar sua figura é como desfilar com uma suástica em um bairro judeu. É inútil ficar a apontar-lhes as contradições entre o que pregam e o que vivem. Eles se sabem contraditórios e “hipócritas”, mas não admitem que se iguale Jesus a eles. Eles mentem, Jesus não. Eles são hipócritas, Jesus não. Eles são pedófilos, Jesus não. Eles são corruptos, Jesus não. Jesus não cede aos prazeres do mundo e da carne. Para o fundamentalista é possível falar do amor de Deus e não amar, falar da misericórdia de Deus e ser incapaz de perdoar. Falar da predileção de Jesus pelos pobres e atear fogo num morador de rua. Hipocrisia? Não! Irracionalidade! Hipócrita é quem sabe se aproveitar desta irracionalidade. E entre nós os hipócritas têm prestando serviço a quem conta com o ódio para governar. Nenhuma forma de censura é justificável. Temos todo o direito de negar a existência de Jesus, de “brincar com sua figura”, de humanizá-lo, reencarná-lo em nossa história. Aceitando, negando, admirando, desmerecendo ou não, Jesus não pertence a um grupo ou outro, Jesus, tendo existido ou não, é patrimônio da humanidade. A minha relação com este patrimônio, à medida que amadureço minhas ideias, minhas concepções de mundo, quem estabelece sou eu. Daí eu poder fazer piada com Jesus. Mas eu não faço piada para mim mesmo, eu faço piada para uma plateia. Eu não sou só, eu sou ser de relações. E eu preciso entender as relações em que estou, para que a piada seja piada e não provocação barata, desnecessária. Uma piada que não faz rir, não faz pensar, cria apenas climão. E climão é combustível a aqueles que sabem canalizar a irracionalidade a seu favor. Nossa estratégia não pode ser a de colocar a mão num vespeiro. Lutar, resistir, insistir contra o estado do que está posto requer bom senso e humor, mas um humor que nos leve a pensar e não apenas a agitar bandeiras. O louco ri da gravidade das coisas, o irracional furibundo à provocação. O problema é que poucos são os loucos e os irracionais estão quase todos à direita da margem. Fazer rir leva a pensar, mas é preciso pensar para fazer rir.

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