Há
diante de nós dois sujeitos se propondo a dirigir, nos próximos quatro anos,
nosso destino. E o que virá a ocorrer nos próximos quatro anos não ficará
restrito a eles, se estenderá por décadas. Seus discursos vinculam nosso futuro
a conflitos e contradições internas que arrastamos desde que Cabral aqui
aportou. Ao mesmo tempo, seus discursos nos vinculam ao cenário internacional,
que temos levado pouco em conta, mas que nos amarra a compromissos e pactos
políticos-econômicos, a ajustes que investidores internacionais pressionam para
que aconteçam. O mundo nos olha, as agências financeiras, os grandes grupos econômicos,
representações políticas e humanitárias, a impressa internacional, todos nos
observam, palpitam e projetam futuros tangíveis segundo a escolha que fizermos.
Embora o pouco apreço que alguns nutrem por nós Tupiniquins, nós não somos uma
nação qualquer no cenário mundial. Então está em disputa, também, como vamos
nos postar diante do mundo a partir de janeiro e como seremos vistos aos olhos
do mundo. Mas voltemos à disputa interna. Entre nós o que pauta a disputa é um
cenário de receios, de medos e incertezas. A este cenário se misturam discursos
temerosos e informações tendenciosas, enganosas. E focados nas figuras dos presidenciáveis, temos
pouco considerado que eles representam não a si próprios, mas a determinados
grupos e seus interesses econômicos, políticos, religiosos, sociais,
pessoais... E nós vamos pregando, em um e outro, etiquetas que se resumem em
dois termos: fascismo e comunismo. Alguém me perguntou, dia desses, de qual desses
temores eu tenho mais medo. Eu disse-lhe que não votaria por medo a qualquer
coisa, mas pelo meu anseio de que a democracia retome o caminho de sua
consolidação entre nós, que nossos conflitos e contradições encontrem o caminho
do diálogo, do debate, da conciliação para a superação; que o medo apenas
acirra os ânimos e turva a razão de buscar o melhor e não o menos pior. Mas
depois fiquei conjecturando: será que nós sabemos mesmo o que é o fascismo e o
comunismo? Será que nós compreendemos o que eles implicaram? E se ambos nos
parecem tão assustadores e repulsivos, porque temos que aderir a um ou a outro?
Esses fenômenos são equivalentes? E podemos de fato associar os proponentes à
presidência a eles? Se nós somos capazes
de identificar elementos totalitários (fascismo e comunismo) nos proponentes ao
comando da nação, é sinal que sabemos alguma coisa de história e de análise de
discurso, e sabemos o que uma coisa e outra (fascismo e comunismo) significam e
o que concretizaram e representaram na história. Caso não, somos apenas
papagaios esquizofrênicos, com medo do que desconhecemos. Se nós somos capazes
de saber o que é fascismo e comunismo; devemos saber, também, o que é democracia,
garantia e restrição de direitos, respeito à diferença e à diversidade,
igualdade de oportunidades etc. E se sabemos estas coisas, talvez nós também
tenhamos algum conhecimento de nossa história, de nossa colonização
escravocrata à Constituição Cidadã de 1988, da eleição de Collor ao impeachment
de Dilma, e somos capazes de reconhecer que ainda não realizamos uma unidade
nacional republicana, que respeite diferenças e promova igualdade. Se temos
este conhecimento de nossa história e sabemos diferenciar fascismo de
comunismo, sabemos avaliar a biografia de Vlado Herzog e Coronel Ustra, para
ficar apenas em dois ícones de nossa história recente, subtema desta eleição, dando
a cada um o devido valor, respeito e dignidade, tornando-nos capazes de
condenar ou apoiar quem faz uso de seus nomes. Caso contrário somos apenas imbecis
com titulo de eleitor. Se temos um mínimo de conhecimento, que nos torna
capazes de entender o cenário mundial, nossa realidade nesse cenário, a
importância que assumimos na América Latina, somos capazes de entender as
relações entre política, mídia, religião, justiça, cultura entre nós, dando-nos
saber e entender o que estamos escolhendo e a qual preço estamos escolhendo. Se
temos capacidade de analisar o discurso de nossos proponentes e classifica-los,
devemos ser capazes de estender o olhar aos grupos e personalidades que se
nucleiam entorno deles e sustentam suas campanhas e reverberam seus discursos,
de observar e avaliar o comportamento e os anseios de seus eleitores e nos
perguntar que preço estamos dispostos a pagar por um futuro desalentador. Se
não somos capazes de analisar o discurso dos que se propõe a dirigir esta
nação, e de analisar os grupos que sustentam tais discursos, seus núcleos de
apoio, e, ao mesmo tempo, o comportamento e a expectativa dos eleitores de cada
proponente, eu diria que somos apenas seres lunáticos, paranoicos, que
substitui conhecimento por informações de redes sociais, ou espera o caos buscando,
de alguma forma, dar-se bem com o mesmo. Estamos papagaiando termos que desconhecemos?
Estamos alimentando uma disputa com desinformação e ignorância? Então o
problema é psicológico: ante a polarização fascismo x comunismo desta campanha
há um elemento sado-masoquista que temos que considerar. Independente do polo a
que me situo, eu voto por meus interesses próprios, seja de qual lado eu esteja,
eu quero ver alguém sofrendo, purgando nosso fracasso como nação. Eu quero ser o
sádico, eu quero ser o que persegue, o que julga, o que condena e o que executa
a pena. Em nenhuma outra eleição expusemos tão claramente nossa perversidade,
que jogamos às costas de nossos candidatos. Eles têm o discurso deles, eu tenho
a minha adesão ingênua ou consciente e determinada. A polaridade, porém, que me
importa é outra: ou somos razoavelmente esclarecidos e nosso voto é consciente,
podendo eu responder pelas consequências futuras, ou somos apenas idiotas
brincando de escolher um destino pautado no medo e não no anseio ou na
expectativa de que possamos ser uma democracia de fato. Num processo em que a
força e a violência se tornam projeto político, todos já perdemos. Na Crítica
do Juízo, Kant ilustrou um modo de pensamento que consistia em ser capaz de
pensar no lugar de todo os demais, ele chamou este modo de pensar de
“mentalidade alargada”, ele necessita da presença de outros “em cujo lugar”
cumpre pensar, cujas perspectivas e anseios devem ser considerados. Nossa
capacidade de rotular nossos candidatos e configurar cenários assustadores para
ambos deve considerar nosso papel nesse cenário, não como espectador do mesmo,
mas como personagem responsável pelo mesmo, atuando nele. É preciso, nesta
eleição, ao rotular um candidato, perguntar-me até onde eu me adiro ao rótulo
contrário e me colocar no lugar do outro. Este outro é o destinatário de ambos
os discursos e chama-se minorias. Se eu sou capaz de identificar fascismo e
comunismo, eu deveria ser capaz de entender o futuro dessas minorias em um e
outro candidato. Se eu sou capaz de saber o que é fascismo e comunismo eu já me
coloco como responsável pela vida do outro e não poderei dizer: “não era isso
que eu esperava”. Se eu sei o que é fascismo e comunismo, eu não só anseio, eu
desejo participar do destino dessa minoria. Imprimirei esta vontade em meu
voto.