“os
homens em absoluto não são naturalmente inimigos. É a relação entre as coisas e
não a relação entre os homens que gera a guerra...” J.J. Rousseau
Meus
poucos leitores sabem de meu amigo Leopoldo, um fantasma de família, que diz ter
sido mordomo na corte de D. Pedro II, e que tem o prazer de me sacanear,
aparecendo-me nos momentos mais impróprios. Por estes dias tive o grato
desprazer de sua visita. Leopoldo portava com sigo um exemplar Du Contrat social, de Rousseau, do ano
de sua primeira publicação. Apresentou-me também um manuscrito que ele jura ser
do genebrino, que, a época, não ousou colocar em circulação. Duvido que tal
manuscrito seja de fato do mestre de Emílio. Não obstante, coloco tal
manuscrito a disposição de meus poucos leitores, alertando-os que a tradução é
de meu importuno, mas estimado, amigo Leopoldo, um sujeito nada confiável.
“[...]
“A loucura não cria direito”. Isto é uma constatação óbvia, como é obvio que “a
desigualdade social gera conflitos sociais”. Dizer obviedades é uma forma de
filosofar sobre problemas graves. Diz-se o óbvio para que se trate de coisas
que nos cercam e de nós mesmos. Por muito obvia que pareça uma assertiva, ela
mascara a realidade. Dizer o óbvio atrai o olhar e desperta o pensamento, a
capacidade de se compreender e compreender a realidade. Se vamos aceitar ou não
nossa compreensão é uma outra história. O fato é que dizer o óbvio não é só uma
estratégia filosófica, é um risco que se corre. Dizer o óbvio: “fazeis de minha
casa em um covil de ladrões”, por exemplo, pode condenar-te à morte.
Então,
é óbvio que a carência material incide consideravelmente sobre o
desenvolvimento intelectual e moral dos indivíduos. É óbvio que onde falta o
alimento, abunda a indolência, mãe de todo crime.
[...]
É óbvio que é da desproporção da distribuição dos recursos, dos serviços e bens
produzidos a causa dos conflitos sociais. Onde uns abundam no desfrute e no
gozo dos desejos, e outros apenas nas satisfações das necessidades, não pode
haver paz e tranqüilidade.
[...]
é óbvio, mas há resistência em se aceitar, que a penalização cada vez mais
severa dos carecidos dos bens produzidos para proteger o gozo escandaloso dos
opulentos, não apagazigua a realidade social. Penalizar o expropriado é
combater fogo com combustível... “
Todo
acumulo, todo excesso é expropriação, é roubo. O mérito divino, de sangue,
convencionado, todo mérito, em suma, favorece a desigualdade e a injustiça; é
mola da corrupção...
[...]
só há crime do bem estante, do opulento, do esbanjador. Só há crime do que
expropria e goza sobre a carência, a indigência vil... A violência do homem sem
recursos é resistência, luta de sobrevivência. Só há crime em quem expropria
indiferente, sem indulgência. “Quem come dois pães, come o pão de alguém. Por
isso dorme de olhos abertos”. Toda violência, todo conflito é fruto na
desigualdade, na desproporção na distribuição dos bens produzidos. Não há pena
que reduza a violência. Não é aprisionando o faminto que se produzirá a paz
entre os homens. Apenas partilhando o pão se promove a paz.
[...]
Todo acumulo é roubo. O roubo do expropriado leva-o a roubar, seu ato é
resistência, sobrevivência, o crime esta antes, contra ele...
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