domingo, outubro 01, 2017

SOBRE COISAS ÓBVIAS

“os homens em absoluto não são naturalmente inimigos. É a relação entre as coisas e não a relação entre os homens que gera a guerra...” J.J. Rousseau

Meus poucos leitores sabem de meu amigo Leopoldo, um fantasma de família, que diz ter sido mordomo na corte de D. Pedro II, e que tem o prazer de me sacanear, aparecendo-me nos momentos mais impróprios. Por estes dias tive o grato desprazer de sua visita. Leopoldo portava com sigo um exemplar Du Contrat social, de Rousseau, do ano de sua primeira publicação. Apresentou-me também um manuscrito que ele jura ser do genebrino, que, a época, não ousou colocar em circulação. Duvido que tal manuscrito seja de fato do mestre de Emílio. Não obstante, coloco tal manuscrito a disposição de meus poucos leitores, alertando-os que a tradução é de meu importuno, mas estimado, amigo Leopoldo, um sujeito nada confiável.
     
“[...] “A loucura não cria direito”. Isto é uma constatação óbvia, como é obvio que “a desigualdade social gera conflitos sociais”. Dizer obviedades é uma forma de filosofar sobre problemas graves. Diz-se o óbvio para que se trate de coisas que nos cercam e de nós mesmos. Por muito obvia que pareça uma assertiva, ela mascara a realidade. Dizer o óbvio atrai o olhar e desperta o pensamento, a capacidade de se compreender e compreender a realidade. Se vamos aceitar ou não nossa compreensão é uma outra história. O fato é que dizer o óbvio não é só uma estratégia filosófica, é um risco que se corre. Dizer o óbvio: “fazeis de minha casa em um covil de ladrões”, por exemplo, pode condenar-te à morte.
Então, é óbvio que a carência material incide consideravelmente sobre o desenvolvimento intelectual e moral dos indivíduos. É óbvio que onde falta o alimento, abunda a indolência, mãe de todo crime.
[...] É óbvio que é da desproporção da distribuição dos recursos, dos serviços e bens produzidos a causa dos conflitos sociais. Onde uns abundam no desfrute e no gozo dos desejos, e outros apenas nas satisfações das necessidades, não pode haver paz e tranqüilidade.
[...] é óbvio, mas há resistência em se aceitar, que a penalização cada vez mais severa dos carecidos dos bens produzidos para proteger o gozo escandaloso dos opulentos, não apagazigua a realidade social. Penalizar o expropriado é combater fogo com combustível... “
Todo acumulo, todo excesso é expropriação, é roubo. O mérito divino, de sangue, convencionado, todo mérito, em suma, favorece a desigualdade e a injustiça; é mola da corrupção...
[...] só há crime do bem estante, do opulento, do esbanjador. Só há crime do que expropria e goza sobre a carência, a indigência vil... A violência do homem sem recursos é resistência, luta de sobrevivência. Só há crime em quem expropria indiferente, sem indulgência. “Quem come dois pães, come o pão de alguém. Por isso dorme de olhos abertos”. Toda violência, todo conflito é fruto na desigualdade, na desproporção na distribuição dos bens produzidos. Não há pena que reduza a violência. Não é aprisionando o faminto que se produzirá a paz entre os homens. Apenas partilhando o pão se promove a paz.

[...] Todo acumulo é roubo. O roubo do expropriado leva-o a roubar, seu ato é resistência, sobrevivência, o crime esta antes, contra ele...

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