Tínhamos
medo da “Moura Torta”. Seus cabelos desgrenhados, os olhos esbugalhados,
apagados de sentido, a ausência de dentes no sorriso melancólico. Arrastava a
perna esquerda, caminhava maltrapilha, catando bitucas de cigarro e mendigando.
Era tia que nos colocava medo: “Arruma esse cabelo menino! Moura Torta vem te
catar piolho”. E tia nos contava a história da Moura Torta. Celesthina Álvares,
era seu nome de batismo. Filha do coronel Sebastião Salgado, cresceu formosa e
gentil. Veio certa vez da cidade um reporte de jornal importante fazer matéria
sobre uma certa galinha que andava de fasto e se achava galo. “Tanta coisa que
se deve acontecer, lá na capital, e esse aqui, querendo saber de galinhas”,
comentavam na venda de seu Quinzinho. Era moço educado, bom de prosa que, com paciência
explicava: “Na capital não se pode publicar de tudo. Tem censura”. Dizia o
moço, bebericando com os homens de Coronel, que na capital “homens e mulheres
sumiam ou eram presos sem muitas explicações”. Contava de um que fora preso em
uma mesa de bar por discordar de um certo tenente sobre criação de galos de
rinha. “O tenente impôs sua razão, com voz de prisão”. Na capital, “tinha-se
que tomar cuidado com que se dizia e, principalmente, se escrevia”, completava
a conversa. Foram se ver, o moço e Celesthina, para despertar entre eles o mais
fervoroso sentimento, para desconforto de coronel Sebastião Salgado e
descontentamento de um certo Julio Batista, preterido por Celestina. Como o
moço apareceu, desapareceu. Diziam uns que fora coronel, outros que fora o tal
Batista, outros, a boca miúda, diziam que tinham sido homens da capital.
Tínhamos medo da “Moura Torta”, de suas convulsões, seus arribar as vestes,
mostrando-nos suas intimidades. Celesthina perdera a criança no trabalho de
parto, entristeceu-se até a loucura, e quando a mãe morreu, abandonada à sorte
e à caridade alheia. Tínhamos medo da “Moura Torta”, de Celesthina, com tia,
aprendemos a ter piedade. Todos esconjuravam Celesthina, tia a acolhia,
dava-lhe banho, trocava-lhe as roupas, penteava-lhe os cabelos. Celesthina
sorria, sua falta de dentes, olhando-se no espelho. O sorriso de Celesthina eu
jamais temera.
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