Agora eu vou cantar pros miseráveis (Blues da Piedade,
Cazuza)
Nem que em nossos presídios tivessem
apenas homicidas matadores de "país de família", "famílias de
bem", diga-se de passagem, nem que em nossos presídios tivessem apenas
estupradores, pedófilos, esquartejadores de velhinhas; nem que em nossos
presídios estivessem apenas os mais horrendos autores de crimes hediondos. Nada
nos autoriza a olhar com indiferença ou, o que nos torna mais desprezíveis
ainda, disfarçada rejubilação os massacres de Amazonas e Rondônia. Não podemos
estar num nível tão arcaico de humanidade e nos dizer de matiz cristã ao mesmo
tempo. Indigna-me a fala desdenhosa ou jubilosa, menos contestatória, de
representantes do governo, a começar pelo pulha em comando, desses lamentáveis
episódios. Não podemos ser menos humanos, porque ser humano é a primeira
condição para poder professar qualquer tipo de religião, até mesmo a mais bárbara,
quanto mais a cristã, que supõe um estado de aprimoramento do humano capaz de
acolher o Cristo, e não a Igreja essa ou aquela, em seu ser. Indigna-me
assistir homens de batina e gravata, e bíblia debaixo do braço, ou aberta num
único salmo, gesto de quem não sabe ler, ou não compreende o que lê, mas
precisa aparentar saber, desdenhar ou jubilar, em nome de um bem, que me soa
como desejo de vingança, com a morte injustificada de um outro ser humano. Nem
que fossem os mais pérfidos dos humanos, e esses estão no poder, deveríamos
contentar-nos. Resta-me pedir piedade: Piedade, por essa gente hipócrita e
covarde. Piedade por sermos menos humanos que os que morrem condenados por
nossa impiedade.
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