domingo, janeiro 08, 2017

PIEDADE


Agora eu vou cantar pros miseráveis (Blues da Piedade, Cazuza)


Nem que em nossos presídios tivessem apenas homicidas matadores de "país de família", "famílias de bem", diga-se de passagem, nem que em nossos presídios tivessem apenas estupradores, pedófilos, esquartejadores de velhinhas; nem que em nossos presídios estivessem apenas os mais horrendos autores de crimes hediondos. Nada nos autoriza a olhar com indiferença ou, o que nos torna mais desprezíveis ainda, disfarçada rejubilação os massacres de Amazonas e Rondônia. Não podemos estar num nível tão arcaico de humanidade e nos dizer de matiz cristã ao mesmo tempo. Indigna-me a fala desdenhosa ou jubilosa, menos contestatória, de representantes do governo, a começar pelo pulha em comando, desses lamentáveis episódios. Não podemos ser menos humanos, porque ser humano é a primeira condição para poder professar qualquer tipo de religião, até mesmo a mais bárbara, quanto mais a cristã, que supõe um estado de aprimoramento do humano capaz de acolher o Cristo, e não a Igreja essa ou aquela, em seu ser. Indigna-me assistir homens de batina e gravata, e bíblia debaixo do braço, ou aberta num único salmo, gesto de quem não sabe ler, ou não compreende o que lê, mas precisa aparentar saber, desdenhar ou jubilar, em nome de um bem, que me soa como desejo de vingança, com a morte injustificada de um outro ser humano. Nem que fossem os mais pérfidos dos humanos, e esses estão no poder, deveríamos contentar-nos. Resta-me pedir piedade: Piedade, por essa gente hipócrita e covarde. Piedade por sermos menos humanos que os que morrem condenados por nossa impiedade.


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