Eu
já escrevi em outro lugar (Ab Erectus, O
Todo em Fragmentos) que em uma expedição arqueológica encontrei um conjunto
de textos em tábuas de argila que remontam a tempos imemoriais, e que Leopoldo,
um fantasma de família, que se diz mordomo de Pedro II, apresentou-me traduções
realizadas por um seu antigo camarada, conhecedor de línguas inexistentes. O
texto que segue é uma dessas traduções. Relembro que Leopoldo gosta de me
pregar peças.
“El,
o irreconhecível, desceu ao solo e cuspiu-lhe sua saliva, moldou dois seres um
no outro e os separou, dando-lhe nomes Semen e Gen-Gaia. Aos seres El, o irreconhecível, deu o verbo e o fogo.
Semen corria os campos e domesticava as criaturas que El, o irreconhecível, lhe
ensinou a caçar. Gen-Gaia ordenava os frutos da terra. De tudo, os seres ofereciam
louvores a El, o irreconhecível, que os abençoava. Uma tarde El, o
irreconhecível, entediado, desceu ao lago. Gen-Gaia banhava-se em suas águas.
El, o irreconhecível, desassossegou-se. No ínterim, Semen sonhou coberto por um
touro. Na manhã seguinte Semen não saiu para o campo. Escondeu-se à sombra da
grande árvore e observou El, o irreconhecível, esvaziar o lago de suas águas e
fazer-se água no lago. Semen observou Gen-Gaia banhando-se em El-águas. [...]
Semen desejou o lugar de Gen-Gaia; guardou despeito por El, o irreconhecível.
De Gen-Gaia nasceram os povos da terra. Semen os tomou e os ensina tudo o que
aprendera de El, o irreconhecível. Semen ensinava a cada filho de Gen-Gaia um
nome diverso de El, o irreconhecível, e uma língua diversa. E Semen infundiu em
cada povo o seu resentimento e o seu desejo de preposto de Gen-Gaia. E cada
povo deseja os desejos de Semen. Por isso o homem fustiga a terra e domina a
mulher, querendo o seu lugar...”
Leopoldo
é assaz um fantasma gozador.
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