sábado, agosto 06, 2016

SEMEN E GEN-GAIA



Eu já escrevi em outro lugar (Ab Erectus, O Todo em Fragmentos) que em uma expedição arqueológica encontrei um conjunto de textos em tábuas de argila que remontam a tempos imemoriais, e que Leopoldo, um fantasma de família, que se diz mordomo de Pedro II, apresentou-me traduções realizadas por um seu antigo camarada, conhecedor de línguas inexistentes. O texto que segue é uma dessas traduções. Relembro que Leopoldo gosta de me pregar peças.
“El, o irreconhecível, desceu ao solo e cuspiu-lhe sua saliva, moldou dois seres um no outro e os separou, dando-lhe nomes Semen e Gen-Gaia. Aos seres  El, o irreconhecível, deu o verbo e o fogo. Semen corria os campos e domesticava as criaturas que El, o irreconhecível, lhe ensinou a caçar. Gen-Gaia ordenava os frutos da terra. De tudo, os seres ofereciam louvores a El, o irreconhecível, que os abençoava. Uma tarde El, o irreconhecível, entediado, desceu ao lago. Gen-Gaia banhava-se em suas águas. El, o irreconhecível, desassossegou-se. No ínterim, Semen sonhou coberto por um touro. Na manhã seguinte Semen não saiu para o campo. Escondeu-se à sombra da grande árvore e observou El, o irreconhecível, esvaziar o lago de suas águas e fazer-se água no lago. Semen observou Gen-Gaia banhando-se em El-águas. [...] Semen desejou o lugar de Gen-Gaia; guardou despeito por El, o irreconhecível. De Gen-Gaia nasceram os povos da terra. Semen os tomou e os ensina tudo o que aprendera de El, o irreconhecível. Semen ensinava a cada filho de Gen-Gaia um nome diverso de El, o irreconhecível, e uma língua diversa. E Semen infundiu em cada povo o seu resentimento e o seu desejo de preposto de Gen-Gaia. E cada povo deseja os desejos de Semen. Por isso o homem fustiga a terra e domina a mulher, querendo o seu lugar...”
Leopoldo é assaz um fantasma gozador.

Nenhum comentário:

Postar um comentário