Sons,
palavras, são navalhas
E
eu não posso cantar como convém
Sem
querer ferir ninguém. (BELCHIOR)
Li
no Diário que “Para as carnes brancas Alzhira tinha uma faca, para as vermelhas
outra. Para os legumes e verduras e para as frutas Alzhira também tinha facas
diversas. Na verdade, Alzhira tinha um fascínio por facas. E tinha uma
especial, a que cravou ao coração numa tarde de maio.” Leio que Alzhira em seu
ato extremo deixou um bilhete: “As coisas que não nomeamos por medo das
palavras nos ferir ao invés de nos esclarecer nos consome aos poucos. Palavras
engolidas ferem a alma, como faca sangram por dentro”. Lembrei-me de vô que
tinha sempre consigo um canivete para picar fumo e o punhal, para “não engolir
desaforos”. Vó discordava de vô, dizia que quem resolve diferenças na ponta de
faca impõem respeito pela força não pelo reconhecimento e “quem não é
reconhecido só é obedecido enquanto tem força para empunhar a faca”. Vó dizia
não conhecer letra, mas sempre nos pedia cuidado com as palavras: “são como faca;
nos servem e nos fere, se não as usamos como se deve”. O Diário fez-me lembrar
também tia que nos contou a história que segue.
“Era
tardezinha e vento balouçava as árvores e misturava seu assobio ao canto de
tizius e canários. O homem então dominava instrumentos e o fogo – diz que um
Deus de nome Prometeu lhe ensinou estas artes e que foi castigado. Mas esta é
uma outra história –. Era tardezinha, e um Deus veio ao homem e lhe ofereceu
bem maior que produzir instrumentos e conservar o fogo. “Pedras e bastões
quebram os ossos, impõem medo e o que serve, serve pela força; o que te ofereço
não impõem; convence: convence o servo a servir, porque o faz acreditar poder
ser senhor...” E o Deus deu ao homem a palavra e o advertiu: “quem a bem
domina, tem nas armas seu último recurso, mas, como instrumento que corta, sua
ferida não cicatriza, e, em línguas mordazes, tudo amarga e corrói. Palavra
fere mais que arma!” Era tardezinha, o homem seguiu o que o Deus lhe ensinara,
aos filhos dispensa o que lhe apraz do dom que recebera, daí a arte do poeta,
do demagogo, do orador etc. Aos servos o uso proibiu. “Quem bem domina a
palavra, dificilmente obedece quem a dita...”, ensinou-lhe o Deus.”
Uma
outra recordação, ainda, me veio à mente: “o homem é o efeito de uma palavra
que um outro pronuncia”, dizia meu professor de psicanálise, acrescentado a
responsabilidade que temos ao falar de um que não seja nós: “uma casa destruída
pode ser reconstruída, um carro, dependendo dos estragos em um acidente, pode
ser reparado, uma palavra falsa contra a dignidade de uma pessoal produz um mal
irreparável”. Antes da faca ao coração uma palavra condenou Alzhira ao ato
extremo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário