Diz que sou réu de corromper a mocidade.
Mas eu, Atenienses, afirmo que Meleto (um dos acusadores) é réu de brincar com
assunto sério; por leviandade, ele traz a gente à presença dos juízes,
fingindo-se profundamente interessado por questões de que jamais fez o mínimo
caso. (Sócrates, in Platão: Apologia de Sócrates)
Escrito
entre os anos de 1914 e 1917, e mantido incompleto, O Processo, romance de Franz
Kafka, foi publicado postumamente em 1925. Clássico da literatura mundial, o
presente romance narra a ação de um julgamento de exceção – formal, burocrático
–, conduzido por personagens medíocres, despersonalizados, obscuros, que
parecem cúmplices do sistema judicial. Josef
K que, “uma certa manhã, sem saber por
que, foi preso”, perpassa todo o romance pela angustiante e frustrada busca por
descobrir em que uma acusação contra ele se baseia para processa-lo. E, “contra
uma acusação que nunca lhe é formalmente apresentada e sobre a qual ele não
consegue obter informações”, Josef K, “na véspera de seu trigésimo primeiro
aniversário, por volta das nove horas da noite, a hora do silencio nas ruas...”,
foi, “como um cão”, executado com uma faca cravada “profundamente em seu
coração”. É consenso entre os comentadores que a tragédia kafkiana de Josef K
assume diversos aspectos simbólico-religiosos dos conflitos pessoais de Kafka
com o pai e com o mundo judaico.
Transpondo
do romance ao processo político [não há nada de judicial em tal processo] a que
sujeitam Dilma Rousseff, não posso deixar de notar além de seu caráter burlesco
revestido de formalidade jurídica, que tal processo não passa de um julgamento
de exceção: antes de haver um crime já havia a decisão de culpa. E nessa toada vão
se seguindo, um após outro, o discurso dos nobres senadores alinhados com o
descompromisso com nossa combalida democracia. Josef K foi executado à hora do
silêncio nas ruas, os algozes de Dilma se dizem representar “as vozes da rua”,
vozes que ao perceberem enredadas em um golpe silenciam-se ou dissimulam. Por
mais que tenha se esforçado, a acusação não encontrou crime contra Dilma,
invocam “o conjunto da obra”, e hoje, pateticamente: “a vontade de Deus!” Dilma
é “sangrada!” Nossa história se mancha novamente, pela via da conspurcação
política.
Faltou
à Dilma o discurso que segue:
Dizem que sou ré de crimes que não se
provaram. Mas eu, nobres parlamentares, afirmo que Aécio Neves, Ronaldo Caiado,
Cássio Cunha Lima (alguns dos acusadores) são réus de leviandade, eles (e os
que formalizam este pedido de impeachment), trazem-me à julgamento num jogo de cartas
marcadas, fingindo-se profundamente interessados por questões de que jamais fizeram
o mínimo caso, porque é oficio continuo de seus arranjos políticos. Caio
de cabeça erguida porque os que me martirizam são os que, de fato devem à
justiça.
Porque a história não é romance o cão da
história não será Dilma Rousseff, mas os que lhe cravam a faca do impedimento.
É
GOLPE! É GOLPE! É GOLPE!