“A pobreza não é
uma condição, é o resultado de uma relação de apropriação e exploração que
subjuga muitos a poucos. Não há o pobre; há o empobrecido.” (Zózimo de Ítaca)
É preciso
entender as relações e estruturas que mantém o empobrecido fiel aos que o expropriam.
Se não entendermos estas relações, continuaremos condenando o empobrecido em
suas escolhas, quando as pode ter, sendo ele refém da maquinaria que o mantém refém
de seus expropriadores. Uma vez que entendamos, é quase improvável que consigamos
esclarecê-lo de sua subjugada situação. Os que mantém os recursos e mecanismos
de empobrecimento do empobrecido, mantém, sobretudo, os espaços discursivos “legitimadores”
de sua posição. Púlpitos, cátedras, mídias estão a serviço dos expropriadores. Contra
cada um de nós, da consciência que tomamos, há centenas de padres, pastores,
professores, articulistas, “formadores de opinião” prontos a convencer o
empobrecido que somos nós, e aquilo que defendemos, que os empobrece e não os
expropriadores. A nossa ilusão de poder vencer os que empobrece o empobrecido pela
mobilização popular, subvertendo as estruturas que o cativam, há de ser sempre
frustrada, se ao invés de entendermos os processos de subalternização,
passarmos a culpar o subalternizado. O empobrecido carrega em si o
expropriador. Por vezes, ele não apenas anseia a vida dos que o empobrece, ele enseja,
saindo da situação de empobrecido, tornar-se senhor não de si, mas sobre
muitos. Este ensejo lhe é introjetado. Os instrumentos do expropriador são
eficazes e eficientes. Nosso empenho discursivo insuficiente. Não há
empobrecido de “esquerda” e empobrecido de “direita”. “Esquerda” e “direita”
são termos burgueses, é preciso uma certa condição econômica para se intitular ideologicamente.
O empobrecido não tem ideologia tem carências, necessidades, anseios. O voto do
empobrecido não é pelo ontem ou pelo amanhã, é pelo agora de suas necessidades.
Nosso discurso não os atinge porque, Paulo Freire já havia ensinado: tomada de consciência
é um ato pessoal e não se transmite. E, ainda na linha freireana, é preciso pararmos de falar do empobrecido,
objeto social, para o empobrecido
sujeito real e passarmos a falar com ele, deixando-o falar. Em nossas relações e intervenções junto aos
movimentos populares, uma nova práxis precisa ser estabelecida. Não é a partir
da consciência que tomamos da realidade, mas é a partir da consciência que o
empobrecido tem da sua realidade que devemos criar juntos as estratégias para
avançarmos na resistência, e desta à superação, das relações e estruturas que
nos subjugam aos que nos expropriam e empobrece. Por ter produzido o
empobrecido, o expropriador o conhece e sabe como mantê-lo cativo. Nossa
consciência dos processos que produzem o empobrecido é ineficaz sem nosso
conhecimento do empobrecido sujeito real, dotado de anseios particulares,
muitas vezes espelhantes do caráter do expropriador. E entender o empobrecido é
preciso estar com ele, deixando-o se dizer e não dizendo-lhe dele. O
empobrecido não se vê na descrição que dele fazemos, mas se vê nos modelos que
os expropriadores lhes oferecem como entretenimento.