segunda-feira, julho 18, 2022

DE MINHA LEVIANDADE

 

Conversávamos sobre os pecados capitais. Sabíamos serem sete; não sabíamos nominá-los. Fomos chutando: avareza, luxúria, orgulho – não, orgulho, não –, soberba, falsidade – falsidade, também pareceu-nos que não. Bom, não houve acordo. Surgiram mais que sete. Depois, o que parecia-nos certo ser, discutíamos sua validade nos dias de hoje: a gula, por exemplo. Passamos, então, a reformular os pecados capitais. O que poderia ser hoje alçado a pecado capital. Duas atitudes se destacaram: presunção; leviandade. Segundo o Aurélio, a presunção é a opinião ou o juízo baseado nas aparências; suposição, suspeita. Este é um pecado que os articuladores do direito (juízes, promotores, advogados) não deveriam ter. Foi esse o pecado que atribuí a uma amiga nossa, por ela ser advogada. Mas tem a leviandade. É leviano quem “julga ou procede irrefretidamente; precipitado, inconsiderado”, quem calunia, faz falso testemunho. Este texto é para pedir perdão de meu pecado: fui leviano. Pelo estado de coisa em que encontra nosso sistema jurídico, julguei imponderadamente minha amiga. Na verdade, minha amiga, ao invés da presunçosa, como a julguei, é assaz espontânea e franca na conversa amiga e sabe como poucos manter a reserva e o recolhimento quando se trata de sua atividade profissional.  É uma pessoa divertida, de uma generosidade impar. Querida: perdão, mil vezes perdão, por ter sido tão leviano. Foi bom estar entre amigos, foi um encontro revigorante.


terça-feira, julho 12, 2022

NÃO HÁ ATOS ESTÉREIS

 

Não há atos estéreis, toda ação produz novas ações, não simplesmente reações. A palavra é ato. Pensar é ato. Falar o que pensa produz consequências.  Antes das reações está o resultado desejado do ato, como o resultado não desejado, ambos é de responsabilidade de quem dá início ao ato. O resultado ignorado de um ato é de responsabilidade de quem o inicia. “Somos responsáveis por nossa ignorância. Ignorar não nos exime de culpa.” A palavra é ato, minha fala, atingindo ou não o objetivo desejado, ignorando ou não seu impacto sobre outros é responsabilidade minha. Não posso negar isenção. Eu sou responsável pelo que falo. Palavras matam. Também o silêncio obsequioso é ato, também o silêncio cúmplice é ato, também o silêncio indignado é ato, também o silêncio covarde é ato. Também por meu silêncio, pelas consequências de tal silêncio, sou responsável. O silenciamento também mata. É preciso saber quando falar, porque falar, como falar, a quem falar. É preciso saber o que silenciar, quando silenciar, porque silenciar. É preciso assumirmos a responsabilidade por nossas falas, por aquilo que calamos. O momento requer responsabilidade, não isenção, o que falamos e o que calamos tem alimentado e motivado os que apenas odeiam. Há atos que só podemos desejar, sem contar com ele, o resultado. O ódio, não, o ódio só produz um resultado, e nós o estamos assistindo avolumar-se.

domingo, julho 10, 2022

ELUCUBRAÇÕES INSONES SOBRE SER LIVRE

 


Se faire valoir par de choses que ne depedent point des outres, mais de soi seul, ou renoncer à se faire valor. La Bruyère

Afirme o valor das coisas que não dependa do ponto de vista dos outros, mas apenas de si mesmo, ou renuncie a julgar.

 

As coisas concretas estão aí, a liberdade transita a ausência, aquilo que se retira de sua concretude e deixa de ser sua. O campo da liberdade é o abstraído da concretude objetiva da realidade. A flor, enquanto flor, é concretude, esta aí, fugaz. O ninho do pássaro está aí, logo o pequeno pássaro há de estar, haveremos de contemplar o seu voo. É o que se abstrai desta concretude: o amor que se declara na flor que se doa à amada, a expectativa incerta do voo sem gaiolas – outra presença aí, outra concretude – do pássaro que ainda há de ser, que nos permite a arte, a crença, o conhecimento, o pensamento, a liberdade. Ser livre não é dizer o que é no que é concreto no aí presente. Ser livre é dizer do que é, aquilo que não é do que é, mas é daquele que pode dizer o é do que é. Ser livre é abstrair das coisas concretas o ser e o devir daquele que diz é. Da flor doada se diz do amor do amante. Do voo ainda a ser se diz do anelo daquele que o antecipa e já o contempla.  A liberdade não é deslocada da concretude das coisas, delas brota. Das coisas dadas, das coisas aí, de sua concretude, a liberdade se lança em voos (abstração do movimento concreto do pássaro) que configuram o espírito livre. É abstraindo conceitos, princípios, valores, sentidos da concretude das coisas aí presente que a liberdade se estrutura e significa aquele que pode dizer é, não apenas dizendo o que a coisa é e não pode deixar de ser – o pássaro não pode deixar de ser voo – mas dizendo si mesmo no do que diz da coisa mesma. O pensar é concretude: pensamos. Não somos livres porque pensamos. Somos livres dizendo-nos no que dizemos pensar. Ser livre é dizer si mesmo no que dizemos pensar, não apenas dizer o que pensa pensar. Ser livre é abstrair da concretude das coisas não o que é a coisa mesma, mas o que somos ou pensamos ser.  Eu penso é concretude. Existo não, existo é abstração. Dizer o que pensa é dizer abstrações que diz de si. Existir não é o simples pensar, é o pensar o abstraído no pensar, o abstraído que diz de si. O que penso do voo do pássaro, diz de mim não do pássaro mesmo ou de seu voo, o que penso do simples gesto de doar flores, diz de mim não da flor ou do gesto mesmo de doá-la. Não sou o que penso, mas sou no que digo pensar. Só sou livre se assumo o que digo, dizendo o que penso. Penso, mas só passo a existir dizendo-me no que penso, só sou livre apropriando-me de mim no que digo do que penso. Ser livre é ser senhor de mim mesmo, tornando-me senhor, responsável, por minhas palavras.