quarta-feira, janeiro 19, 2022

ABSTRAÇÃO

O abstrato não é algo que brota na mente, é algo que se abstrai de algo concreto. Do nada não se abstrai nada. De abstrações também se abstrai; a abstração primeira é sempre de algo concreto. O impossível do absoluto é ele ser abstração de abstração à enésima potência.

Eu vejo um pássaro voando, pássaro é abstração de algo que voa. Voar é abstração de uma forma especifica de deslocamento.  Desse algo voando eu digo ser pássaro e não avião, abstração de um outro algo, que também se desloca no ar. Do pássaro, e não de aviões, de seu voo eu abstraio liberdade.  Da criança na areia, construindo castelos, banhando os pés na água, abstraio contentamento e torno-o desejo. Desejamos abstrações.  O desejo anda lá nas esferas do absoluto, embora também nasça do concreto.

É um fim de tarde. Os pescadores arrematam os últimos preparativos antes de lançarem-se ao mar. Lá no horizonte o sol vai empalidecendo-se, dando lugar aos primeiros vestígios de uma noite que promete estrelada. Acompanho os últimos turistas recolhendo suas tralhas, pondo-se a caminho das pousadas: “amanhã tem mais!”, grita um ao filho que teima em continuar um com o mar.

Tomo um gole da cerveja e corro a costas da mão pelos lábios. Sorris-me. Teu sorriso é vida à enésima potência, abstraio. O desejo é que o tempo pare.

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