“Engole o choro, menino! Homem não chora!” (Vó Ernestina)
Eu costumo provocar meus alunos: “Homem não chora! Se chora não é homem!”. Gosto de ver suas reações. “O que é ser homem?” pergunto. “Uma limitação, uma circunstancialidade, uma restrição ao inimaginável do que somos e poderíamos ser. Reduzidos a uma aparência, a uma abstração, nos desapercebemos como seres sendo, se indeterminando em toda determinação. Não somos homens, não somos mulheres. Somos! E sendo, circunstancia a circunstancia, somos seres de passagem. Nós entramos e saímos do mundo continuamente, e cada vez que entramos no mundo, o mundo é outro. Nós não mudamos, o mundo, mudando, nos muda. Somos ao modo do mundo. E o mundo é lugar de passagem, ninguém no mundo permanece: Nascemos, crescemos, reproduzimos, morremos. O Mundo fica, e quem nele chega encontra outro mundo.
Para viajantes, lugares de passagem são lugares de resfolego, de repouso, de revisão de rota. É lugar para um banho, uma refeição, uma conversa, uma conquista amorosa, mas não é lugar de permanência. Recuperados da jornada, se provido do necessário, os viajantes se colocam a caminho, empreendem novos desafios. Se é verdade que passantes não criam raízes, é também verdade que passantes deixam rastros. Toda história que vale a pena ser contada é rastro de passantes, que passando, se inscreveram no mundo.
Lugares de passagem podem ser lugares inóspitos, áridos, rudes, sombrios. Lugares assim requerem um misto de quixotes e franciscos, qualquer coisa de profético e de poético, qualidades que não podem faltar aos revolucionários. Parece-me que esta qualidade de passante, se ainda existe, está em extinção. Somos passantes em busca de acomodação, e vamos nos acomodando à rudeza, à insalubridade aos cantos sombrios.
Mas há lugares de passagem Oasis, Faróis. Quando tudo parece tormenta, quando tudo parece deserto, cruzamos com esses lugares espaços de resistência ao ruir do mundo. Neles se alojam aquele tipo samaritano que o Cristo narra em sua parábola. Acolhe o caído, o perseguido, o destratado, o humilhado e não questiona a sua religião, a sua opção sexual, a sua etnia, o seu gênero. Acolhe apenas, cura, reestabelece, fortalece. E segue, sem deixar nome. A bondade não pode ser louvada, ensinou o Cristo, porque a bondade não pode ser publicizada. Um bem só pode ser proclamado por quem o recebe, não por quem o pratica. Se passante nesta condição é um dom. Dom não é dádiva, dom é uma condenação. Há pessoas que estão condenadas a serem boas e vou citar algumas aqui.
Antes devo dizer que a juízo de minha avó, não sou homem, porque não consigo engolir as lágrimas. Segue o nome, a meu juízo, de algumas pessoas que estão condenadas a serem boas. Um dia elas me acolheram no turbilhão de minhas sandices, eu passante atravessa o deserto, foram samaritanos comigo.
Geraldo Garippo, Luciene Azevedo, Marco Senna, Lidiane Santos, há vinte e seis anos, deram a Poá um espaço-passagem, Oasis-Farol. Este espaço, lugar de passagem, produz um peculiar tipo de seres passantes que eu nomeio: Flores-Chama. Flores porque teimam em produzir beleza em um mundo inclinado a horrores. Chama porque, mesmo tremulantes, como chama de vela em procissão, resistem a tempos sombrios e encandecem nossas esperanças. Em Anderson Borges, Filipi Lima, Delcimar Ferreira, Wal Serra, Ana Catarina, Taciano Holanda, Julia Martins, Jefferson Castanheira, Ailton Fereira, Jhony Dutra, Patricia Nascimento, Patricia Opereta, Pamella Carmo, Heline Albano, Brendo de Lima, Dora Nunes, Jurema Freitas, Neide Chavier, Fabio Miguel, o passante eterno-brincante, criança sorrindo em mim, enquanto continuo a jornada, Reginaldo Miguel, eu encontro a acolhida, o alimento, o banho restaurador, a perspectiva de novas jornadas e se permaneço em passagem, permaneço porque neles encontro sentido de ser, não homem, um com eles, um Somos!!!
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