quarta-feira, setembro 16, 2020

BRASIL PROFUNDO

 

Ele e o pai não se entendiam. O pai esperava que ele assumisse suas lutas. Ele sonhava com a “happy life” americana.  Dava-se pouco aos estudos, seguia coaches de redes sociais, um controverso intelectual da Virginia, jornalismo de quinta categoria. De tanto ouvir, dizia-se, sem entender, “liberal na economia e conservador nos costumes.” Não queria saber das lutas do pai: “empreenderia.” Do pai, tomou rancor. O pai, então, partiu, deixando-lhe uns poucos livros, um velho par de botas, um carcomido cobertor: “tanta luta, pra conquistas poucas!” pensou com desdém. “Vou ganhar o mundo!” Desfez-se dos livros do pai, “o mérito está no esforço, não no saber. Bastava empenhar-se, ter um propósito”, ouviu de um que se passava por economista. Não mediu esforços! Não vingou! “Nós temos que mudar a cultura do ter direito; muitos direitos impedem o avanço”, explicava um outro economista, num programa humorístico. Ele entendeu o recado: “menos direito, mais oportunidades”. O problema era as velhas botas do pai. Desfez-se das botas: “Agora sim!” O cenário mudou, piorou: “só um messias, só um messias!’, diziam no whatshap. E ele apostou no messias e em seu jênio. O jênio ensinava que era preciso combater os privilégios.  “Todo nosso atraso é devido aos privilégios da ralé. Pra que estabilidade, pra que aposentadoria?”, pergunta o jênio. A grande imprensa dá eco e quase quase emenda: “pra que salário?” Ele devotava confiança no jênio, mas já não tinha outra coisa a não ser o velho cobertor do  pai. “Tudo aquilo ainda era responsabilidade do pai. Ele odiava o pai, suas lutas o impossibilitavam de seu “American Dream”. Estava disposto a cortar no carcomido cobertor.  Enquanto ele vai entregando dedo e anéis, o Brasil profundo arde em chamas. Mas, para ele, o messias e seu jênio estão no rumo certo. Uma sabichona explicava-lhe num fim de noite: “o messias é um desenvolvimentista”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário