quinta-feira, setembro 24, 2020

OLHA O (N)OVO!

Dia desses, uma amiga comentava sobre o carro dos ovos. "Como brotam do nada!", dizia ela. Ouvindo-a, lembrei um caso não muito antigo de uma marca de ovos que, sem muitas explicações, passara a vender a dúzia do produto com dez unidades. Como estratégia de mercado, trocaram a embalagem. Dizia a nova embalagem: "Ovos X, tão bom que dez ovos equivalem a uma dúzia!" e completava: "E agora em nova embalagem: Mais econômica; mais versátil!" Minha mãe foi uma das muitas donas de casa que só deram conta que a dúzia não era dúzia e sim dezena, porque metade dos ovos que comprara estava estragada. A "nova política" é um destes embustes. A embalagem é bonita e já está circulando pelo mercado.


quinta-feira, setembro 17, 2020

ERREI E DAÍ?

 “Desculpa foi mal. Mas você sabe neh: errar é humano”

 

É verdade, por ser perfectível, o humano está sujeito ao erro. No entanto, o humano, sempre que age, visa a coisa certa. Errar produz confusão, mal entendido, prejuízo, inimizade, acidentes, dor, sofrimento, morte. Ninguém erra por que quer. “Erro” consciente não é erro; é cafajestagem, mau-caratismo. Há erros que não podem ser corrigidos. Há perdas que não se reparam. Ninguém precisa aprender com o erro, quando o certo é pedagógico. Na verdade, errar não ensina; com o erro não se aprende, com o erro se perde tempo, credibilidade, confiança, amizade. O humano aprende percebendo o erro e corrigindo-se. O aprendizado está no corrigir-se, não no ter feito errado. Errando, no erro fica. E quem aprende errado, no erro fica. Se um se contenta com um resultado contrário do que desejava, não aprendeu, se engana, se acovarda, se conforma. Errar é uma contingência, Humano é procurar fazer o certo e aprender é saber avaliar com honestidade os resultados contrários ao acerto que visávamos.  Erramos, mas humano é buscar o que é certo.

quarta-feira, setembro 16, 2020

BRASIL PROFUNDO

 

Ele e o pai não se entendiam. O pai esperava que ele assumisse suas lutas. Ele sonhava com a “happy life” americana.  Dava-se pouco aos estudos, seguia coaches de redes sociais, um controverso intelectual da Virginia, jornalismo de quinta categoria. De tanto ouvir, dizia-se, sem entender, “liberal na economia e conservador nos costumes.” Não queria saber das lutas do pai: “empreenderia.” Do pai, tomou rancor. O pai, então, partiu, deixando-lhe uns poucos livros, um velho par de botas, um carcomido cobertor: “tanta luta, pra conquistas poucas!” pensou com desdém. “Vou ganhar o mundo!” Desfez-se dos livros do pai, “o mérito está no esforço, não no saber. Bastava empenhar-se, ter um propósito”, ouviu de um que se passava por economista. Não mediu esforços! Não vingou! “Nós temos que mudar a cultura do ter direito; muitos direitos impedem o avanço”, explicava um outro economista, num programa humorístico. Ele entendeu o recado: “menos direito, mais oportunidades”. O problema era as velhas botas do pai. Desfez-se das botas: “Agora sim!” O cenário mudou, piorou: “só um messias, só um messias!’, diziam no whatshap. E ele apostou no messias e em seu jênio. O jênio ensinava que era preciso combater os privilégios.  “Todo nosso atraso é devido aos privilégios da ralé. Pra que estabilidade, pra que aposentadoria?”, pergunta o jênio. A grande imprensa dá eco e quase quase emenda: “pra que salário?” Ele devotava confiança no jênio, mas já não tinha outra coisa a não ser o velho cobertor do  pai. “Tudo aquilo ainda era responsabilidade do pai. Ele odiava o pai, suas lutas o impossibilitavam de seu “American Dream”. Estava disposto a cortar no carcomido cobertor.  Enquanto ele vai entregando dedo e anéis, o Brasil profundo arde em chamas. Mas, para ele, o messias e seu jênio estão no rumo certo. Uma sabichona explicava-lhe num fim de noite: “o messias é um desenvolvimentista”.

terça-feira, setembro 15, 2020

BRASILIO




Brasilio despertou com dores de cabeça, tomou um analgésico: vida que segue. Passados dois dias, a dor de cabeça voltou, com ela, calafrios. Brasilio tomou uma dose reforçada do analgésico: a vida segue. “Persistindo os sintomas, procure um médico”. Foi o que Brasilio fez. O médico trocou o analgésico por antibióticos e requereu exames para um diagnóstico mais preciso. Brasilio veio a óbito dias depois, enquanto aguardava nova consulta. A autópsia constatou que Brasilio morrera envenenado por mercúrio. Há dias, Brasilio vinha consumindo um determinado alimento contaminado com o produto. Esta parábola trata de nossa sociedade e do papel da educação e da polícia no estágio em que ela se encontra. O professor nesta história é o analgésico, a ação policial o antibiótico. Vamos tocando a vida, mesmo já cientes da autópsia.

sexta-feira, setembro 11, 2020

SERES DE PASSAGEM

 

“Engole o choro, menino! Homem não chora!” (Vó Ernestina)

Eu costumo provocar meus alunos: “Homem não chora! Se chora não é homem!”. Gosto de ver suas reações. “O que é ser homem?” pergunto. “Uma limitação, uma circunstancialidade, uma restrição ao inimaginável do que somos e poderíamos ser. Reduzidos a uma aparência, a uma abstração, nos desapercebemos como seres sendo, se indeterminando em toda determinação. Não somos homens, não somos mulheres. Somos! E sendo, circunstancia a circunstancia, somos seres de passagem. Nós entramos e saímos do mundo continuamente, e cada vez que entramos no mundo, o mundo é outro. Nós não mudamos, o mundo, mudando, nos muda. Somos ao modo do mundo. E o mundo é lugar de passagem, ninguém no mundo permanece: Nascemos, crescemos, reproduzimos, morremos. O Mundo fica, e quem nele chega encontra outro mundo.
Para viajantes, lugares de passagem são lugares de resfolego, de repouso, de revisão de rota. É lugar para um banho, uma refeição, uma conversa, uma conquista amorosa, mas não é lugar de permanência. Recuperados da jornada, se provido do necessário, os viajantes se colocam a caminho, empreendem novos desafios. Se é verdade que passantes não criam raízes, é também verdade que passantes deixam rastros. Toda história que vale a pena ser contada é rastro de passantes, que passando, se inscreveram no mundo.
Lugares de passagem podem ser lugares inóspitos, áridos, rudes, sombrios. Lugares assim requerem um misto de quixotes e franciscos, qualquer coisa de profético e de poético, qualidades que não podem faltar aos revolucionários. Parece-me que esta qualidade de passante, se ainda existe, está em extinção. Somos passantes em busca de acomodação, e vamos nos acomodando à rudeza, à insalubridade aos cantos sombrios.
Mas há lugares de passagem Oasis, Faróis. Quando tudo parece tormenta, quando tudo parece deserto, cruzamos com esses lugares espaços de resistência ao ruir do mundo. Neles se alojam aquele tipo samaritano que o Cristo narra em sua parábola. Acolhe o caído, o perseguido, o destratado, o humilhado e não questiona a sua religião, a sua opção sexual, a sua etnia, o seu gênero. Acolhe apenas, cura, reestabelece, fortalece. E segue, sem deixar nome. A bondade não pode ser louvada, ensinou o Cristo, porque a bondade não pode ser publicizada. Um bem só pode ser proclamado por quem o recebe, não por quem o pratica. Se passante nesta condição é um dom. Dom não é dádiva, dom é uma condenação. Há pessoas que estão condenadas a serem boas e vou citar algumas aqui.
Antes devo dizer que a juízo de minha avó, não sou homem, porque não consigo engolir as lágrimas. Segue o nome, a meu juízo, de algumas pessoas que estão condenadas a serem boas. Um dia elas me acolheram no turbilhão de minhas sandices, eu passante atravessa o deserto, foram samaritanos comigo.
Geraldo Garippo, Luciene Azevedo, Marco Senna, Lidiane Santos, há vinte e seis anos, deram a Poá um espaço-passagem, Oasis-Farol. Este espaço, lugar de passagem, produz um peculiar tipo de seres passantes que eu nomeio: Flores-Chama. Flores porque teimam em produzir beleza em um mundo inclinado a horrores. Chama porque, mesmo tremulantes, como chama de vela em procissão, resistem a tempos sombrios e encandecem nossas esperanças. Em Anderson Borges, Filipi Lima, Delcimar Ferreira, Wal Serra, Ana Catarina, Taciano Holanda, Julia Martins, Jefferson Castanheira, Ailton Fereira, Jhony Dutra, Patricia Nascimento, Patricia Opereta, Pamella Carmo, Heline Albano, Brendo de Lima, Dora Nunes, Jurema Freitas, Neide Chavier, Fabio Miguel, o passante eterno-brincante, criança sorrindo em mim, enquanto continuo a jornada, Reginaldo Miguel, eu encontro a acolhida, o alimento, o banho restaurador, a perspectiva de novas jornadas e se permaneço em passagem, permaneço porque neles encontro sentido de ser, não homem, um com eles, um Somos!!!