Quando
pai passou, veio o padrasto. Foi chegando aos poucos. Trazia flores pra mãe,
doces para nós. Fazia pequenos reparos na casa. “A casa”, dizia, precisava de
um homem. Mãe cedeu e ganhamos o padrasto. A lua de mel durou pouco. O sujeito
passou a não ter hora para chegar, geralmente estava alcoolizado, descia o
cacete em nós e em mãe. Um dia se engraçou pra cima da mais nova. Mãe se
resignava, “a menina era levada e tinhosa, ele era homem”. Não demorou muito,
engravidou a primogênita, que foi expulsa de casa. Vivia de bicos e da
exploração de mãe que mantinha a casa como diarista. Para termos um pouco mais
de dignidade, fomos vender balas e sorvetes em faróis e composições da
Companhia Paulista de Trens. Mas tudo que ganhávamos, ia para suas mãos. A mais
nova entrou na vida. A preferida de mãe associou-se a um grupo de delitos.
“Esta família é uma vergonha, aonde vim amarrar meus burros”, dizia, enquanto
nos extorquia e humilhava mãe. Um dia envolveu-se num negócio mal explicado, para
não ser preso desapareceu. Enquanto ficou fora, fomos nos organizando, e íamos,
aos poucos, nos ajustando. Seu fantasma, no entanto, sempre rondou-nos, e numa
certa tarde, como se nada tivesse acontecido, ele se apresentou. Trouxe flores
e uma cesta básica. Encontramos forças, nos apoiamos e não o permitimos ficar.
De quando em quando, a caçula, que nasceu pouco antes de ele ser preso, defende
sua volta. Segunda ela, com ele “éramos uma família”; que “precisamos de um
homem na família, para sermos respeitadas e ter segurança”. E por mais que lhe
mostremos as marcas em nosso corpo, e de nossa mãe, ela não acredita. O pouco
que nós temos hoje, aos olhos da caçula, é devido a nosso padrasto. Mas ela
pensa assim por influência da primogênita, que hoje, sabemos, mesmo expulsa de
casa, não deixou de ser acolhida por ele, que lhe deu uma vida de ‘rainha’,
extorquindo-nos; que o tempo em que ele esteve ‘fora’, era por ela sustentado...
quarta-feira, maio 30, 2018
sábado, maio 12, 2018
O ESTRANGEIRO
sexta-feira, maio 04, 2018
PRAIA DE INAÊ MIRIM
Lembro-me, quando criança, de tia
contar a história de uma linda caiçara que se jogou ao mar durante os festejos
de Iemanjá. Pouco se sabia da moçoila, que passou a aparecer para veranistas
desavisados ou incrédulos em noites de festa em homenagem à Rainha do Mar.
Criou-se então a versão que a batizou de Inaê Mirim, que era a história que tia
contava. “Não sei bem dizer como de fato
as coisas aconteceram, nunca vi o mar, mas sua brisa, que o vento nos trás,
assim me narrou... A menina tinha cabelos encarapinhados e a pele negra, negra,
lábios vistosos e olhos amendoados perdidos no infinito mar, era formosa e
atraia os olhares de todos. Costumava
tomar banho nas águas do mar toda manhãzinha, fizesse sol ou chuva, fosse verão
ou inverno e, nuinha, nuinha, se estendia nas pedras e lá ficava aos olhos de
pescadores e veranistas, sem dar-lhes atenção. Diz-se que uma certa manhã
apaixonou-se por um veranista que também se banhava à mesma hora que ela. Os
locais se aperceberam e ficaram despertado de ciúme. O fato é que o mancebo, alguns
dizem, deu-se sumiço, outros, fora sumido, sumiu sem deixar nome ou endereço.
Caiu tristeza profunda sobre a pobre caiçara, que deu-se ao mar e à Janaina,
para desconsolo de todos. É desta feita que Inaê Mirim, aparece aos veranistas
e os carrega com ela, quando estes não observam as placas que proíbem o banho
de veranistas antes das 9h.” Toda vez
que vou ao mar, recordo desta história contada por tia, e, com tal recordo, o
ambiente se perfuma de bolinho de chuva, pipoca, fogo de fogueira, que me vejo
em seu quintal e não na praia. Estou aqui selecionando algumas fotos que fiz
para o próximo numero da revista em que trabalho. Pediram-me fotos de praias ao
amanhecer. Passei os últimos dois meses visitando algumas praias indicadas por
minha editora. Agora, selecionando-as, caiu-me às mãos esta: uma jovem negra,
de beleza escultural acena-me de dentro o mar. Não lembro-me ter tirado tal
foto. Em seu verso, se lê: “Praia de
Inaê Mirim, 19 de maio de 1968”. Nunca ouvi falar de tal praia, mas, o que mais
me espanta é a data: refere-se é ao aniversário de passamento de tia.
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