domingo, janeiro 14, 2018

SOBRE A ESPERANÇA



Que tempos são estes, em que
Uma conversa sobre árvores é quase um crime,
Porque inclui um silêncio sobre tantos malefícios!
(Bertolt Brecht)


Me parece uma enorme contradição que uma pessoa progressista, que não teme a novidade, que se sente mal com a injstiças, que se ofende com as discriminações, que se bate pela decência, que luta contra a inpunidade, que recusa o fatalismo cínico e imobilizante, não seja criticamente esperançosa. (Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia)



Nós somos seres em passagem, nascemos em um mundo já posto e morremos deixando para trás um mundo não mais como o encontramos. Chegamos como estrangeiros, mas não como turistas, meros fruidores e ou observadores de uma obra acabada. O mundo está sempre por fazer-se, e nele chegamos como exilados que chegam para começar uma história de vida e construir sua felicidade. Sim, estou com Aristóteles, nascemos para o bem maior, a felicidade...
Chegamos ao mundo como seres abertos, pois não permanecemos como somos. Nosso ser individual e social, em evolução constante, nos impulsiona a um mais além, um ainda não. Nascemos em uma determinada cultura, em uma determinada situação econômica, social e política de uma determinada realidade, e, não obstante, essas estruturas em que historicamente nos encontramos não nos determina e nos encerra em fatal destino.
Como seres abertos, então, estamos sempre ante a escolha e a decisão do engajamento e da ação ou não, da conformidade, da aceitação tácita da realidade como ela é ou da esperança, a perspectiva de que a realidade não é ainda, mas deve tornar-se...
À medida que apreendemos a realidade e a ela nos aderimos, vamos reconhecendo o catastrófico, a ameaça do absurdo, do irracional, do perigo de um destino dramático do mundo e do ser humano. Isto nos mobiliza, ou não, a vislumbrar um outro mundo, uma outra realidade. De nossa inconformidade com o que está posto nasce a esperança. "A esperança leva-nos a contestar tudo que já existe" (Urbano Zilles, Gabriel Marcel e o existencialismo, 10). Ela nos faz crer no novo a ser criado de nossa resposta ao que está a dado.
A esperança é o apelo contra o risco de o mundo não mais existir, é o apelo lá onde a felicidade não se faz presente, lá onde impera perspectivas totalitárias... A esperança não é otimismo ou pessimismo, é comprometimento com sua crença de que o mundo pode ser outro. É a atitude de quem apóia-se no engajamento, na participação, no confronto ao que esta estabelecido, mas não contempla nossa vocação: Estar sempre nos fazendo, refazendo, começando, recomeçando.
Quem realmente espera, deposita sua confiança numa ação que se impõe a uma situação de desespero, ou a um período como o nosso: sombrio, reacionário, totalitário...
"Quanto mais consciência o homem tiver de sua situação de cativeiro, mais capaz se torna de perceber o brilho da luz misteriosa da esperança." (Urbano Zilles, Gabriel Marcel e o existencialismo, 105). Onde "esperar é assumir a situação histórica de maneira responsável" (Idem).
Assim, "sem desconhecer as razões históricas, econômicas e sociais que explicam [a desesperança, o fatalismo], não entendo a existência humana e a necessária luta para fazê-la melhor, sem esperança e sem sonho... Daí a precisão de uma certa educação da esperança. É que ela tem uma tal importância em nossa existência, individual e social, que não devemos experimentá-la de forma errada, deixando que ela resvale para a desesperança e o desespero, conseqüência e razão de ser da inação ou do imobilismo." (Paulo Freire, Pedagogia da Esperança, 14-15)  
Fé e esperança caminham juntas, não há uma sem a outra. Só esperamos quando acreditamos, só acreditamos porque esperamos. E acreditamos porque não encerramos o humano num determinismo dramático. Acreditamos porque vislumbramos que “nenhum humano é jamais tudo que pode ser. Há sempre mais a saber, a amar e a fazer. O humano jamais acaba de tornar-se humano” (TROMBETTA e TROMBETTA, Inacabamento, in: STRECK, REDIN, ZITKOSKI, Dicionário Paulo Freire).
Acreditamos, porque, não obstante, a história ter conhecido muitos períodos sombrios e estar atravessando um novo período de incertezas, não perdemos a esperança de que podemos partilhar o mesmo pão, a mesma canção, num mundo comum, em que somos um com o outro na multiplicidade de nossas diferenças.
Nossa crença no ser para, no ser- ainda- não, alimenta minha esperança de que havemos de superar os desmando deste período sombrio, e vencer as ameaças totalitárias que se alimenta de nossos temores. Enquanto há esperança havemos de vencer os receios.



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