quinta-feira, janeiro 25, 2018

Laurindha

Couve refogada no alho, torresmo gordo, angu. Arroz, feijão preto, partes de porco, farofa. Vó, mãe, tia. As irmãs e as primas. Os tios pai, dominó. O primo, samba: Baden Powell, Luiz Ayrão, Agepê: Laurindha, o seu perfume, os lábios carmim. O sorriso, a voz, o molejo... “Ah se eu pudesse te abraçar agora/ Poder parar o tempo nessa hora/ Prá nunca mais eu ver você partir...” “Era a felicidade que acenava pra mim...” Nasci errante, sem um norte, sem um porto, um farol que me guie. Tenho apenas esses fragmentos de um desejo não ousado que em mim levo, seja onde eu for. Laurindha é o amor que existe em mim. E se aproveito o sono daquela que me acalanta e escapo é que em outros corpos apenas me consumo... Sou errante, sou sem rumo. E não sou de esquecer os lábios carmim de um amor que jamais ousei e persiste em mim.

domingo, janeiro 21, 2018

COISAS DE BANANÓPOLIS



Na noite de 19 de maio do ano de 1968, um corpo foi achado caído e expirado. Sem identificação, sepultaram-no como indigente. Antes, porém, por praxe de oficio, o delegado de plantão requisitou perícia para determinar a causa da morte. O resultado foi “morte indeterminada. No ano de 1998, ocorria uma disputa pela direção da Associação Esportiva de Bananópolis. Um amigo do delegado concorria com poucas chances contra o adversário. Mas a vitória do amigo interessava ao delegado. Assumindo uma diretoria qualquer na Associação, teria oportunidade de aproximar-se das personalidades mais influentes da cidade. O delegado se prontificou, então, a ajudar o amigo, arquitetando um plano para tirar o adversário da disputa. Levou à Tribuna das Bananas o caso do indigente, anunciando estar seguindo uma linha de investigação que garantia que o finado indigente, fora assassinado. E o assassino, era ninguém mais que o futuro presidente da Associação Esportiva de Bananópolis. “Mas”, alguém questionou, “se não se pode determinar a causa da morte do sujeito, como se pode considerá-lo assassinado?” Para isto o delegado tinha uma resposta inequívoca: “tenho um testemunho que diz ter ouvido o futuro presidente da Associação Esportiva, em uma peleja, ameaçar um certo tipo que anda desaparecido”. “Então há uma identificação do indigente?”, perguntou um outro. “Tenho plena convicção que se trata do tipo desaparecido”, respondeu, convincente, o delegado. Nos meses seguintes, dia sim, dia não, se lia na Tribuna das Bananas a condenação do virtual presidente da Associação Esportiva de Bananópolis pelo assassinato de um certo tipo desaparecido. Quando o caso chegou à corte, coube ao juiz, primo (deve-se ressaltar) do amigo do delegado, apenas validar a sentença e computar a pena. O fato é que, por esses dias, o dito desaparecido, deu o ar da graça. Informou que após a peleja com o incriminado recebeu uma promoção da empresa e a foi representar no exterior e que estava de passagem por Alto Monte apenas para se reconciliar com o incriminado, a quem admirava muito. Indagando-se o juiz sobre a situação do incriminado, o mesmo saiu-se com essa: “temos um homem morto, que certamente foi assassinado. E todos nós estamos convictos: o Sr. Inácio Silva é, devido suas origens e posições ideológicas, um costumas criminoso. Diante do posto, mantemos a sentença”. 

domingo, janeiro 14, 2018

SOBRE A ESPERANÇA



Que tempos são estes, em que
Uma conversa sobre árvores é quase um crime,
Porque inclui um silêncio sobre tantos malefícios!
(Bertolt Brecht)


Me parece uma enorme contradição que uma pessoa progressista, que não teme a novidade, que se sente mal com a injstiças, que se ofende com as discriminações, que se bate pela decência, que luta contra a inpunidade, que recusa o fatalismo cínico e imobilizante, não seja criticamente esperançosa. (Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia)



Nós somos seres em passagem, nascemos em um mundo já posto e morremos deixando para trás um mundo não mais como o encontramos. Chegamos como estrangeiros, mas não como turistas, meros fruidores e ou observadores de uma obra acabada. O mundo está sempre por fazer-se, e nele chegamos como exilados que chegam para começar uma história de vida e construir sua felicidade. Sim, estou com Aristóteles, nascemos para o bem maior, a felicidade...
Chegamos ao mundo como seres abertos, pois não permanecemos como somos. Nosso ser individual e social, em evolução constante, nos impulsiona a um mais além, um ainda não. Nascemos em uma determinada cultura, em uma determinada situação econômica, social e política de uma determinada realidade, e, não obstante, essas estruturas em que historicamente nos encontramos não nos determina e nos encerra em fatal destino.
Como seres abertos, então, estamos sempre ante a escolha e a decisão do engajamento e da ação ou não, da conformidade, da aceitação tácita da realidade como ela é ou da esperança, a perspectiva de que a realidade não é ainda, mas deve tornar-se...
À medida que apreendemos a realidade e a ela nos aderimos, vamos reconhecendo o catastrófico, a ameaça do absurdo, do irracional, do perigo de um destino dramático do mundo e do ser humano. Isto nos mobiliza, ou não, a vislumbrar um outro mundo, uma outra realidade. De nossa inconformidade com o que está posto nasce a esperança. "A esperança leva-nos a contestar tudo que já existe" (Urbano Zilles, Gabriel Marcel e o existencialismo, 10). Ela nos faz crer no novo a ser criado de nossa resposta ao que está a dado.
A esperança é o apelo contra o risco de o mundo não mais existir, é o apelo lá onde a felicidade não se faz presente, lá onde impera perspectivas totalitárias... A esperança não é otimismo ou pessimismo, é comprometimento com sua crença de que o mundo pode ser outro. É a atitude de quem apóia-se no engajamento, na participação, no confronto ao que esta estabelecido, mas não contempla nossa vocação: Estar sempre nos fazendo, refazendo, começando, recomeçando.
Quem realmente espera, deposita sua confiança numa ação que se impõe a uma situação de desespero, ou a um período como o nosso: sombrio, reacionário, totalitário...
"Quanto mais consciência o homem tiver de sua situação de cativeiro, mais capaz se torna de perceber o brilho da luz misteriosa da esperança." (Urbano Zilles, Gabriel Marcel e o existencialismo, 105). Onde "esperar é assumir a situação histórica de maneira responsável" (Idem).
Assim, "sem desconhecer as razões históricas, econômicas e sociais que explicam [a desesperança, o fatalismo], não entendo a existência humana e a necessária luta para fazê-la melhor, sem esperança e sem sonho... Daí a precisão de uma certa educação da esperança. É que ela tem uma tal importância em nossa existência, individual e social, que não devemos experimentá-la de forma errada, deixando que ela resvale para a desesperança e o desespero, conseqüência e razão de ser da inação ou do imobilismo." (Paulo Freire, Pedagogia da Esperança, 14-15)  
Fé e esperança caminham juntas, não há uma sem a outra. Só esperamos quando acreditamos, só acreditamos porque esperamos. E acreditamos porque não encerramos o humano num determinismo dramático. Acreditamos porque vislumbramos que “nenhum humano é jamais tudo que pode ser. Há sempre mais a saber, a amar e a fazer. O humano jamais acaba de tornar-se humano” (TROMBETTA e TROMBETTA, Inacabamento, in: STRECK, REDIN, ZITKOSKI, Dicionário Paulo Freire).
Acreditamos, porque, não obstante, a história ter conhecido muitos períodos sombrios e estar atravessando um novo período de incertezas, não perdemos a esperança de que podemos partilhar o mesmo pão, a mesma canção, num mundo comum, em que somos um com o outro na multiplicidade de nossas diferenças.
Nossa crença no ser para, no ser- ainda- não, alimenta minha esperança de que havemos de superar os desmando deste período sombrio, e vencer as ameaças totalitárias que se alimenta de nossos temores. Enquanto há esperança havemos de vencer os receios.



AMOR SILENTE