Flor de meu ser,
Há tempo, muito tempo, que
eu estou longe de casa. Passo por uma rapaziada demasiado desalentada,
desorientada, assumindo bandeiras que as aprisionam enganando-as com promessas
de liberdade. Passo a diante e não acompanho o ódio em seus discursos. Sento em
um banco de praça. O mar murmura sedutor sob um céu, ornado de estrelas e de
uma tranqüilidade indiferente. Se você estive comigo, estaríamos localizando a carruagem
de Odin ou falando de Calisto, Arcas, Zeus... As poucas pessoas com quem me
relaciono me pedem que eu seja mais otimista. Dizem que “o pessimismo é um luxo
de quem tem dinheiro”. Não seria o meu
caso. “Nada melhor que um dia após o outro”, o “tempo cura todas as feridas”.
Retruco-lhes com certa arrogância “os dias se sucedem sem que nossos sonhos se
realizem. É sempre uma frustração que nos arremata o dia. E “não há ferida que
não deixe cicatriz e a dor desta é mais profunda que a da ferida. ” Mas eu não
tenho feridas, e não carrego cicatrizes. Minha angustia esta estampada todas as
manhãs nas primeiras paginas dos jornais. Na televisão todo mundo quer ser outra pessoa
e as pessoas vivem recordando um passado que não existiu. Tudo é sempre desejo
e o desejo não se sacia. A realidade é apenas loucura e contradição. Mas como diz o menestrel: “Eu não estou
interessado em nenhuma teoria, em nenhuma fantasia, nem no algo mais...” A vida
não tem uma vontade para mim. Eu não tenho o que lhe propor. Ficamos neste empate.
A noite avança, um pescador entoa endechas soturnas (me permitas o pleonasmo) enquanto
se prepara para enfrentar o mar. É nessas horas em que “não é noite, não é dia;
não é dilúculo, não é crepúsculo” que conjecturo, por própria iniciativa, não
mais ser. Sinto o aclamo do mar para que eu seja um com ele. Abraçado ao mar é
a forma mais digna de não ser. Se você estivesse aqui, tomaríamos vinho e banho
de mar e contemplaríamos o sol, seus primeiros raios, abençoando o Cristo
Redentor indiferente a mais uma noite de assombros, descalabros, silentes
sofrimentos nos morros e favelas. Para quem este Cristo abre os braços? Talvez
viesse-lhe aos lábios, em murmúrios como do mar: “Estranho o teu Cristo, Rio/ Que
olha tão longe, além/ Com os braços sempre abertos/ Mas sem proteger ninguém...”.
O dia ainda ensaia sua jornada, crianças, pés descalços, já despontam nos
faróis. De todas as loucuras é a que mais me incomoda, aflige, desnorteia... Um
dia eu e o mar haveremos sermos um.
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