O
povo não é hegemônico. E há uma camada de nosso povo, diminuta, ciosa de sua bem
formada ignorância. Digo isto, porque não são pessoas sem formação, pelo
contrário, geralmente freqüentaram os melhores colégios, as melhores
universidades. Algumas carregam imponentes títulos acadêmicos. Não obstante são
tábuas rasas: nada sabem de seu país, de seus personagens, os que se projetaram
e inscreveram seus nomes à história da nação e para além de nossas fronteiras.
Tudo o que é da terra desdenham ou desconhecem. Conservam um orgulho fidalgo.
Afagam a vã ilusão de serem herdeiros de alguma nobreza européia. È um tipo
comumente presente em nossa literatura. Nelson Rodrigues e Lima Barreto o
descreve com sutilezas. Como disse, são pessoas bem formadas, mas tabulas rasas.
Sempre fizeram dos estudos motivo para se distinguirem socialmente, não para, de
fato, conhecer e produzir conhecimento e tornarem-se sabedores de algo. Contentam-se
em papagaiar ditos formadores de opinião – em geral, colunistas de jornais e
revistas de grande circulação, que se dizem independentes em suas opiniões,
mas, na verdade, se submetem a escrever o que seus patrões lhes impõem –. Outro
dia, ouvi um distinto representante da categoria afirmar com a arrogância de um
livre docente: “eu há bem quinze anos não sei o que é ler um livro, folheio vez
ou outra uma ou outra revista, corro os olhos pelo noticiário, sigo um ou outro
comentarista de política ou economia, e me dou por satisfeito. Depois, o
brasileiro não produz nada que valha pena. Somos péssimos escritores...” Até
recentemente o grosso desta categoria se sentia bem, alheando-se à política.
Com os olhos voltados para a América do Norte ou sonhando uma vida cômoda no
velho continente, contentavam-se a comparecer às urnas. A breve ascensão de uma
fatia das camadas populares incomodou seguimentos importantes da sociedade e esta
camada de bem formados tabulas rasas foram envolvidos em sua insatisfação. Sem
perceberem nossos doutos boçais se viram a manifestar, com resultados desoladores.
Daí que temos assistido nos últimos meses, após terem se envolvido no engodo-golpe
que colocou à direção do país uma quadrilha de estelionatários, suas equivocadas
manifestações contra atividades e exposições artísticas e contra artistas,
cientistas e intelectuais da pátria e de além fronteira. Não fosse o discurso
de ódio que acompanha suas manifestações, diria são dignos de pena. No entanto,
assentados em interpretações equivocadas da sagrada escritura, referendadas por
pastores e padres de intenções duvidosas e seguindo grupos com nítidos interesses
políticos e econômicos, que manipulam informações, distorcem fatos e inventam
supostas conspirações, nossos camaradas de tão especifica camada, embora
acreditem estarem defendendo valores democráticos além da família tradicional,
acabam por sustentar o joguete das elites políticas e econômicas que
vilipendiam o país e o entrega à especulação financeira. Repito, não fosse o
discurso de ódio que sustentam, seriam dignos de pena. Nossos doutos-boçais deixam
a literatura para se tornarem nossa maior preocupação política, se tornaram a
base de sustentação de ideários faci-totalitários.
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