sábado, novembro 25, 2017
sexta-feira, novembro 24, 2017
UM DIA EU E O MAR HAVEREMOS SERMOS UM
Flor de meu ser,
Há tempo, muito tempo, que
eu estou longe de casa. Passo por uma rapaziada demasiado desalentada,
desorientada, assumindo bandeiras que as aprisionam enganando-as com promessas
de liberdade. Passo a diante e não acompanho o ódio em seus discursos. Sento em
um banco de praça. O mar murmura sedutor sob um céu, ornado de estrelas e de
uma tranqüilidade indiferente. Se você estive comigo, estaríamos localizando a carruagem
de Odin ou falando de Calisto, Arcas, Zeus... As poucas pessoas com quem me
relaciono me pedem que eu seja mais otimista. Dizem que “o pessimismo é um luxo
de quem tem dinheiro”. Não seria o meu
caso. “Nada melhor que um dia após o outro”, o “tempo cura todas as feridas”.
Retruco-lhes com certa arrogância “os dias se sucedem sem que nossos sonhos se
realizem. É sempre uma frustração que nos arremata o dia. E “não há ferida que
não deixe cicatriz e a dor desta é mais profunda que a da ferida. ” Mas eu não
tenho feridas, e não carrego cicatrizes. Minha angustia esta estampada todas as
manhãs nas primeiras paginas dos jornais. Na televisão todo mundo quer ser outra pessoa
e as pessoas vivem recordando um passado que não existiu. Tudo é sempre desejo
e o desejo não se sacia. A realidade é apenas loucura e contradição. Mas como diz o menestrel: “Eu não estou
interessado em nenhuma teoria, em nenhuma fantasia, nem no algo mais...” A vida
não tem uma vontade para mim. Eu não tenho o que lhe propor. Ficamos neste empate.
A noite avança, um pescador entoa endechas soturnas (me permitas o pleonasmo) enquanto
se prepara para enfrentar o mar. É nessas horas em que “não é noite, não é dia;
não é dilúculo, não é crepúsculo” que conjecturo, por própria iniciativa, não
mais ser. Sinto o aclamo do mar para que eu seja um com ele. Abraçado ao mar é
a forma mais digna de não ser. Se você estivesse aqui, tomaríamos vinho e banho
de mar e contemplaríamos o sol, seus primeiros raios, abençoando o Cristo
Redentor indiferente a mais uma noite de assombros, descalabros, silentes
sofrimentos nos morros e favelas. Para quem este Cristo abre os braços? Talvez
viesse-lhe aos lábios, em murmúrios como do mar: “Estranho o teu Cristo, Rio/ Que
olha tão longe, além/ Com os braços sempre abertos/ Mas sem proteger ninguém...”.
O dia ainda ensaia sua jornada, crianças, pés descalços, já despontam nos
faróis. De todas as loucuras é a que mais me incomoda, aflige, desnorteia... Um
dia eu e o mar haveremos sermos um.
segunda-feira, novembro 20, 2017
domingo, novembro 12, 2017
A DEMÉTRIO MAGNOLI
Sr. Demétrio Magnoli,
Com a devida licença, me permito uma outra leitura do
caso Waak, a partir de seu texto. Antes de tudo: Não se tinha notícia de uma manifestação política
racista ou um gesto de injúria racial do jornalista. Agora, independente de sua
vontade, se tem. E é constrangedor! Repisá-lo, de fato, não nos purifica, mas
deveria nos ensinar algo. “Homens públicos, mesmo sós, são públicos!”
Depois, a uma criança, a um adolescente, a um tresloucado,
relevamos certos comportamentos, certas expressões. Achamos mesmo graça devido
a ingenuidade, imaturidade ou insanidade, em coisas que fazem ou dizem. Mas, a
uma altura da vida, nem em pensamento deveríamos nos permitir determinadas
especulações, fantasias, desejos, muito menos certas expressões, mesmo que “gracejos
idiotas”. Minha avó sempre nos ensinou: “Modere a língua em casa, para não
falar demais na rua”. Se Waak, traquejado que é do mundo em que vive, da
profissão que exerce, do que representa com o papel que assume, ciente de que
pontos e vírgulas fora de lugar destorcem fatos e noticiais, e arruínam
carreiras, se ele considerasse o simples princípio de minha avó, talvez não
fosse vítima, antes de si mesmo, depois do contemporâneo minotauro a que fazes
alusão. És certo, as utopias totalitárias que o senhor apontou não produziram o
“homem novo” que se esperava. No entanto, o homem que temos produzido,
cultivado com “discursos políticos odientos”, encontra em tipos como Waak, que
seguem a pedagogia social do neoliberalismo, que insiste na disputa entre indivíduos
e não na solidariedade, seus mais estimados gurus. Para Waak, para deleite de
nosso minotauro, o leite já derramou. Para nós, porém, homens públicos e
educadores, fica, a partir do ocorrido, um antigo ensinamento não muito
diferente do que dizia minha avó: “Estando só, vigia teus pensamentos, pois
estes se convertem em palavras. Em sociedade, vigie tua língua; pois nos julgam
não pelo que somos; mas por nossas palavras”.
Com desejos de uma boa semana,
Claudio Domingos Fernandes
sábado, novembro 11, 2017
OS TABULAS RASAS
O
povo não é hegemônico. E há uma camada de nosso povo, diminuta, ciosa de sua bem
formada ignorância. Digo isto, porque não são pessoas sem formação, pelo
contrário, geralmente freqüentaram os melhores colégios, as melhores
universidades. Algumas carregam imponentes títulos acadêmicos. Não obstante são
tábuas rasas: nada sabem de seu país, de seus personagens, os que se projetaram
e inscreveram seus nomes à história da nação e para além de nossas fronteiras.
Tudo o que é da terra desdenham ou desconhecem. Conservam um orgulho fidalgo.
Afagam a vã ilusão de serem herdeiros de alguma nobreza européia. È um tipo
comumente presente em nossa literatura. Nelson Rodrigues e Lima Barreto o
descreve com sutilezas. Como disse, são pessoas bem formadas, mas tabulas rasas.
Sempre fizeram dos estudos motivo para se distinguirem socialmente, não para, de
fato, conhecer e produzir conhecimento e tornarem-se sabedores de algo. Contentam-se
em papagaiar ditos formadores de opinião – em geral, colunistas de jornais e
revistas de grande circulação, que se dizem independentes em suas opiniões,
mas, na verdade, se submetem a escrever o que seus patrões lhes impõem –. Outro
dia, ouvi um distinto representante da categoria afirmar com a arrogância de um
livre docente: “eu há bem quinze anos não sei o que é ler um livro, folheio vez
ou outra uma ou outra revista, corro os olhos pelo noticiário, sigo um ou outro
comentarista de política ou economia, e me dou por satisfeito. Depois, o
brasileiro não produz nada que valha pena. Somos péssimos escritores...” Até
recentemente o grosso desta categoria se sentia bem, alheando-se à política.
Com os olhos voltados para a América do Norte ou sonhando uma vida cômoda no
velho continente, contentavam-se a comparecer às urnas. A breve ascensão de uma
fatia das camadas populares incomodou seguimentos importantes da sociedade e esta
camada de bem formados tabulas rasas foram envolvidos em sua insatisfação. Sem
perceberem nossos doutos boçais se viram a manifestar, com resultados desoladores.
Daí que temos assistido nos últimos meses, após terem se envolvido no engodo-golpe
que colocou à direção do país uma quadrilha de estelionatários, suas equivocadas
manifestações contra atividades e exposições artísticas e contra artistas,
cientistas e intelectuais da pátria e de além fronteira. Não fosse o discurso
de ódio que acompanha suas manifestações, diria são dignos de pena. No entanto,
assentados em interpretações equivocadas da sagrada escritura, referendadas por
pastores e padres de intenções duvidosas e seguindo grupos com nítidos interesses
políticos e econômicos, que manipulam informações, distorcem fatos e inventam
supostas conspirações, nossos camaradas de tão especifica camada, embora
acreditem estarem defendendo valores democráticos além da família tradicional,
acabam por sustentar o joguete das elites políticas e econômicas que
vilipendiam o país e o entrega à especulação financeira. Repito, não fosse o
discurso de ódio que sustentam, seriam dignos de pena. Nossos doutos-boçais deixam
a literatura para se tornarem nossa maior preocupação política, se tornaram a
base de sustentação de ideários faci-totalitários.
sexta-feira, novembro 03, 2017
EU NÃO SOU NEGRO
Lincharam um homem
Entre os
arranha-céus,
(Li no jornal)
Procurei o crime do
homem
O crime não estava no
homem
Estava na cor da sua
epiderme
Solano Trindade, Civilização branca, nova Alexandria: 2007
Dia destes, meu filho chegou
triste da escola. Não quis comer, desinteressou-se do cachorro, exilou-se
acabrunhado, silente, em seu quarto. Algo incomum num menino vivaz, espontâneo,
falante. Procurei saber o que se passava: “Nada, quero ficar sozinho”. Deixei-o
na dele, precisava ocupar-me de uns relatórios, revisar um artigo. Um pouco
antes do café da tarde, ele se acostou a mim e ficou me observando terminar minha
revisão. Perguntei-lhe: “Tudo bem? O que houve?” Não obtive resposta. “Deve ter
balas ali na minha mala” apontei-lhe a mala acostada a uma estante. Pediu-me
colo. “O que é nefando? E lúgubre?”, perguntou-me com voz chorosa, olhar
apagado. “Lúgubre se diz de uma pessoa triste, de uma situação triste. Nefando
é algo indigno de nomear, é algo do qual não se fala, porque é algo muito
vergonhoso.” “Não quero ser negro!” falou-me com voz magoada. “E porque? O que
tem de errado ser negro?”, perguntei-lhe estupefato. “A professora disse...,
pediu pra gente pesquisar no dicionário. E o dicionário diz que negro é sujo,
encardido, lúgubre, nefando. Eu não sou sujo. Eu não quero ser negro...: não
quero ser negro!” “Querido”, disse-lhe, “você tem razão, nessas acepções nós
não somos negros e os dicionaristas deveriam rever-se.” Expliquei-lhe que, talvez
a professora não tenha alcançado seu objetivo, e procurei esclarecer-lhe que negro
não era uma condição, mas uma posição ante a vida e que a cor de nossa pele não
nos determina. [...]. Dormiu em meu colo. Enquanto me preparava um café, fiquei
elucubrando o tema, que me levou a produzir o que segue
***
“(…) O que
os racistas têm que fazer é tratar de encontrar em seus próprios corações em
primeiro lugar porque foi necessário ter um negro, porque eu não sou um negro
eu sou um homem (…) Se eu não sou o negro aqui, e vocês o inventaram, vocês os
racistas tem que descobrir por que. E o futuro deste pais depende disso, se
você é capaz ou não de fazer essa pergunta”. James Baldwin, 1963.
Nós somos humanos. Entre
humanos não há raças. Há diferenças de gênero, sociais, econômicas, culturais,
há desigualdades de oportunidades, de acesso aos bens produzidos, aos recursos
naturais, ao uso da terra,ao conhecimento. Desde sua origem, os humanos
espalham-se por todo planeta, ajustando-se a diversificados relevos geográficos
e variadas temperaturas e intempéries climáticas. Algumas bastante inóspitas.
As tonalidades de pele dos humanos são características de sua adaptação a essas
diferenças geográficas e climáticas, e à miscigenação. De tal modo a tonalidade
de pele dos humanos varia em uma escala de matizes consideráveis. Mas seja o
sujeito de pele mais clara possível, seja o de pele mais escura possível,
pertencem a uma e mesma espécie. E a espécie humana não se divide em raças.
A divisão dos homens em
raças é uma invenção covarde, maliciosa e, ela sim, nefanda, de homens sem
escrúpulos, gananciosos, orgulhosos de suas barbáries. Homens guiados pela
cobiça, pela torpeza, cegados pelo desejo de tudo possuir. Procuraram na
invenção das raças uma justificativa às suas ignomínias.
Os dicionaristas deveriam
rever o verbete Negro. Na verdade deveriam aboli-lo, pois o negro, como
condição, não existe.
O racismo existe e o
combato. Ele é responsável pelo extermínio dos povos nativos, ontem e hoje.
Pelo ingente tráfico de homens e mulheres do continente africano, aqui tornados
escravos. O racismo está presente na persistente negação à terra aos nativos e
quilombolas, no extermínio sistemático destes povos e de jovens de nossas
periferias, na indisfarçada insatisfação de setores da sociedade com o ingresso
de nossos filhos da nas universidades públicas. Na história recente da
humanidade não podemos esquecer Auschwitz,
sua face mais nefanda.
O racismo existe! O negro
não! O negro, como raça, é uma invenção, Na citação de James Baldwin eu usei racista, no lugar de branco do texto original. É
preciso considerar que nem todo homem branco é racista e que o racismo não é
uma peculiaridade de homens brancos. Também o branco é uma invenção. A raça não
existe, existe o racismo. A cor de minha pele não me define, a raça só existe
como disposição a lutar contra toda forma de ódio e contra toda tirania.
Neste
sentido, sem ser religioso, talvez se possa dizer, que ter raça é ser
instrumento de paz e levar amor onde há ódio..., esperança onde há desespero,
alegria onde há tristeza, luz onde há trevas, liberdade onde há opressão,
dignidade onde há humilhação, partilha onde há fome e exploração...
O que segue
escrevo para meu filho que tem razão: nós não somos negros, mas temos raça.
MENINO
NÃO CHORE A COR DE TUA PELE
Menino não chore a cor de
tua pele, não chore teus cabelos, o odor de teu suor. Não chore a ignorância dos
que odeiam a si mesmos antes de odiarem a ti.
Brinca, menino, com teus
sonhos. Faz do vento teu companheiro, da tarde caindo, uma canção. Corre ao
lombo de um cavalo, banhe-se nas águas do rio, converse com os pássaros e os
chame: irmãos. Cultive, menino, a paz.
Raça, menino, não é uma
condição. É postura firme, corajosa contra a opressão. É luta de quem luta
contra o ódio de quem primeiro se odeia e destila-se contra uma nação.
Menino não chore a cor de
tua pele. Ela é tua proteção. Não desdenhe os que, por pura mediocridade e
hipocrisia, destilam desinformações, cativam os ignorantes e os que desejam
poder e riqueza, e alimentam ódio em seus corações. Não os desdenhe, repito,
menino. Mas, dê conta dos que te amam e te ensinam a amar como escolha e
responsabilidade, como solidariedade...
Dê conta dos que te amam,
menino, e brinque com a esperança; arranque-a de teus livros. Não és a cor de
tua pele e se tens raça é coragem, é bandeira que se impunha contra a dor, a fome,
a humilhação. Tem raça quem se impõem contra a opressão.
Não chore a cor de tua pele
menino, não chore teu cabelo, o odor de teu suor. Não tenha vergonha do que não
és. Brinca, que é tempo de tua infância. Corre com o rio ou livre no lombo de
um cavalo, suba em árvores, converse com pássaros, cante às flores e imagine em
cada nuvem povos que se abraçam e dividem o pão. Lembre de teus ancestrais, de
seus grilhões, da expropriação de seus sonhos, seus desejos e paixões; da luta
que travaram, e mesmo sem condição de vencer a vilania, da resistência que
impuseram. Raça é fazer memória e resistir; não é uma condição, é uma postura
contra o extermínio de nossos jovens em terras quilombolas, nas reservas nativas
e nas periferias de nossos centros urbanos.
Não é a cor de tua pele que
te faz homem menino. É amar a vida, a liberdade, uma só humanidade. E raça é disposição
a lutar contra toda tirania, contra a insensatez dos que expropriam, dos que traficam
vida, negam direitos, produzem fome e sofrimento e executam homens e mulheres
por ambição.
Tenhas raça menino contra
toda opressão. Mas agora brinca, brinca e sonha, e veja nas estrelas ao redor
da lua homens partilhando o pão. Não és tua cor menino: és esperança em nosso
coração.
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