domingo, abril 07, 2024

A Land Rover e o caramelo

        Era um maio, um sol pálido, encoberto de nuvens, anunciava uma jornada friorenta, chuvosa. Na esquina, uma matilha disputava sacos de lixo. Um caramelo, passou a seguir-me.  Quando entrei na padaria, ele  retornou aos sacos de lixo. Se comentava a partida da noite passada. “O juiz foi comprado”, disse um. “Deixa disso, rapaz! Serginho estava impedido, o juiz anulou corretamente”. “E o pênalti,  o que você diz do pênalti, que ele não marcou?” “É, o pênalti, convenhamos, só não marcou porque não quis!”. Eu ordenei um pingado, um pão na chapa. “Você assistiu?” fui indagado. “Entre um cochilo e outro, acompanhei alguma coisa!”, respondi sem interesse em participar da conversa. “O pênalti, foi ou não foi?” “Não contra o Timão, sem muita disposição de continuar o debate!”, respondi. Fui servido, deixei a conversa de lado, busquei uma mesa afastada, para folhear o jornal. Consultei o relógio, faltavam 20 min: “dava tempo!”, pensei. Quando deixei a padaria o caramelo voltou a me seguir. Caminhava em direção ao Mercado Central. A orla vazia, o mar agitado. Um ou outro banhista arriscava um mergulho. Um pouco antes do Mexilhão, topei com Geraldinha em uma canga florida. “Corajosa, você!”, comentei. Ela sorriu-me, peguntou por minha mãe, meu pai, quis saber se o caramelo era meu. “Não! Resolveu seguir-me!”, respondi.  “Foi bom te ver. Ia procurar-te mais tarde. Preciso trocar umas fechaduras, você faria isso pra mim?”, perguntou-me. Eu estava indo a uma consulta, nada grave, rotina. Combinei de passar por sua casa, retornando. “Prepara aquele linguado ao molho, que chego para o almoço”, brinquei. Saí da consulta, passei no Mercado, comprei legumes e verduras para mãe, uma cachaça. O caramelo já não me seguia, o avistei, com uns outros dois, rosnando a um Pinscher conduzido por um casal de banhista.  Já em casa, deixei as compras de mãe, peguei a caixa de ferramentas e segui para Geraldinha. “Vou ali, fazer um “bico”, devo demorar... almoço por lá!” Avisei mãe. “E esta cachaça?”, perguntou mãe. “Dizem que ajuda a amolecer dobradiças”, respondi irônico. “Juízo, rapaz! Juízo!” “Benção! Vou indo”. “Deus te abençoe!”... Atravessava a Oceânica fantasiando as vésperas com Geraldinha. Mergulhado em seu sorriso prazeroso, corria seu corpo à ponta de língua, brincava em suas “dobradiças”... O soído de buzina, o rumor brusco de freada, o coração saltando à boca, o suor frio tomando o corpo... Veio-me de perder os sentidos, tamanho o susto. “Por pouco, a Land Rover não atropela o pobre do caramelo!”, dizia à Geraldinha.  “Por Deus, você não é cardíaco!”, disse-me, cafuneando-me em seu colo. Uma chuvinha fria umedecia a vidraça

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