segunda-feira, agosto 28, 2023

NO NINHO DE SERPENTE NÃO SE COLOCA CORUJA (elucubrações ilógicas)

 

 

“Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor.” Paulo Freire

 

A epígrafe que moldura esta elucubração é repetida ad nauseam em alguns segmentos da luta social. E estes segmentos estão decepcionados com o “advogado do Lula” lá no Supremo. Parece não darem conta que o “advogado do Lula” nunca esteve na pele dos oprimidos, nunca nutriu sonhos de ser opressor. Pessoas do naipe do “advogado do Lula” não sonham, têm pesadelos. Receiam tornarem-se oprimidas. Enquanto advogado do Lula, o agora ministro do STF, cumpriu com primor o que se espera de um advogado: defendeu com todos os recursos possíveis seu cliente. Mas o advogado de Lula não se tornou advogado de Lula por ter saído das lutas populares. Não, o “advogado do Lula” teve as melhores condições de formação que alguém das elites poderia ter. É aceitável o oprimido sonhar em ser opressor, mas não passa pela cabeça de qualquer pessoa próxima ao poder se tornar oprimido. E determinadas esferas de poder são estruturadas para garantir um sono tranquilo ao opressor e não o sonho do oprimido, mesmo que seja o sonho de não ser criminalizado pela cor de pele, condição econômica ou endereço. Lula deve indicar em breve um novo membro para o STF. E se espera que ele indique alguém que represente as minorias. Vamos nós, novamente, nutrir ilusões. Em ninho de cobras não se coloca escorpiões. Não importa a etnia, a religião, a opção sexual, o gênero do próximo ou próxima indicada por Lula, não será um oprimido com sonhos de tornar-se opressor, será alguém que circula nos ambientes de opressão, que até tem um olhar comiserado ao oprimido, mas atua nas estruturas que garantem o sono do opressor. Nossas cortes estão sempre prontas a defender os interesses das elites, quando nos concedem alguma migalha de direito é por controle social, não por respeito às lutas sociais. O próximo indicado ou a próxima indicada por Lula, por estar nesta posição, de poder postular a Alta Corte, não foi educado nos sonhos do oprimido,  foi formado com os pesadelos do opressor: é esta formação que o habilita, a habilita a uma possível indicação do Lula. Os candidatos, as candidatas ao Supremo Tribunal Federal, mesmo que tenham algum viés progressista, são formados nos ninhos de cobras, não nas lutas populares, não espere deles a não ser, vez ou outra, alguma concessão. Não era esperado, mas não me surpreende os primeiros votos do “advogado  do Lula”. “Fii, o coronel não nos dá a sobra porque é bom, nos dá as sobras para nos manter produzindo sua fartura”, dizia vó. As estruturas de poder, os que nelas atuam, estão aí para garantir o sono do coronel.

sexta-feira, agosto 25, 2023

SORRISO DE ALINE

 


Que cidade fantástica é Sorriso de Aline. Se procuras um refúgio dos estresses cotidianos, com certeza, em Sorriso de Aline encontrarás o lugar ideal. Há em Sorriso de Aline uma atmosfera acolhedora que contrasta com a indiferença que experimentamos nas metrópoles. Seu amanhecer não é cinzento e frio, não, é acalorado, aromado de café fresco, iluminado e colorido de flores variadas e cantos de pássaros. Acordar em Sorriso de Aline é um convite a viver. Sempre que me vem de não ser, é em Sorriso de Aline que me socorro. Passear por suas estradas sinuosas, admirando as faixadas de suas casas, aventurar-me em seus morros, de onde contemplo o sol se pôr, e embrenhar-me em suas matas, para ouvir os pássaros e o sons do riachinho Doce Recanto, faz-me esquecer uma existência burocrática e formal. Gosto mesmo das noites em Sorriso de Aline, em redor de fogueiras, ouvindo histórias de infância, beliscando quitutes de vó, desejando o beijo de prima. Sorriso de Aline é um recanto em que me escondo em noites insones.       

quinta-feira, agosto 24, 2023

DO QUE SE APRESENTA COMO NOVIDADE NO CENÁRIO POLÍTICO

 

A singularidade de cada ser humano faz com que a todo nascimento surja algo totalmente novo e, potencialmente, capaz de realizar algo inédito (Hannah Arendt, A Condição humana).

 

Segundo Hannah Arendt, filósofa alemã, de nacionalidade norte americana, é da política a potência do inédito. Mas ela, em algum ponto de suas reflexões, lembra que nem sempre o que se apresenta como novo, produz, de fato, a novidade que se espera ou, numa  expressão freireana, nem sempre o ator social que se apresenta como novidade, produz o “inédito viável” que esperamos da política. E temos visto, com frequência, atores sociais apresentarem-se para agentes políticos, anunciando-se como novidade, aproveitando-se de nosso descrédito, ou suspeita, com os políticos de rotina. O problema é que, geralmente, temos descoberto que o que se apresenta como novo, quando no poder revela-se reacionário. Como “a identidade inalterável da pessoa” e seu caráter só pode ser conhecido depois que a ação política chega a seu fim, mantenho minhas suspeitas por atores sociais colocando-se a disposição do embate político, mantendo, ao mesmo tempo, a crença arendtiana de que, “quando pessoas plurais se ajuntam para se comprometerem em relação ao futuro, os pactos criados entre elas podem lançar ‘ilhas de previsibilidade’ no ‘oceano de incerteza’, criando um novo tipo de confiança e permitindo a elas exercer o poder coletivamente” (Hannah Arendt, A condição humana). Minha utopia, minha ‘ilha de previsibilidade’, é restrita: Eu quero apenas acreditar que nossa cidade possa ser melhor administrada, tendo um olhar de cuidado e assistência aos nossos munícipes em condições de vulnerabilidade. A minha limitada confiança é com o coletivo.

segunda-feira, agosto 14, 2023

ESSA BOBAGEM

 


"A vida sem bobagem não vale a pena ser vivida" (Christine Ramos)

 

No lugar de bobagem, Sócrates disse: "A vida sem reflexão não vale a pena ser vivida." Mas, para alguns, refletir, principalmente sobre si, é uma grande bobagem. Assim, dedicam-se a saberes mais graves.

Entre os saberes mais graves há os que nos conduzem a dominar o átomo, a manipular vírus e bactérias, a entender nosso funcionamento bio-neuro-orgânico. São saberes, de fato, de tão certos, formidáveis e necessários. Mas saberes que carregam o potencial de produzirem tragédias e catástrofes. Se nos dão conforto, também nos ameaçam. Os saberes-bobagens estão aí, então, a nos dizer: “Atenção: há saberes científicos que, se aplicados, nos conduzem à solução final.” Depois os saberes-bobagens nos alertam do perigo  dos saberes graves em mãos de quem não se analisa. Eu li, em algum lugar, que “na mão de uma pessoa de caráter duvidoso o conhecimento é um perigo”. A ciência é capaz, com seu rigor, com seus métodos, de explicar nosso funcionamento bio-neuro-orgânico, mas são os saberes-bobagens que se dedicam a colocar à prova nosso caráter e entender sua formação. É a eles que me dedico sem desconsiderar a importância dos saberes capazes de nos dar vacinas. “Meu interesse não está no que sabes, meu interesse está no que pretendes fazer com o que sabes”, esta bobagem eu li numa porta de banheiro, no Instituto de Biociências da USP. Ela respondia a uma outra bobagem escrita na mesma porta: “pelo que cagas, eu sei o que comes.” Os saberes bobagens nos ensinam a ter cautela com os saberes científicos. É com eles que eu brinco. Uma vida sem saberes-bobagem, sem uma análise de si mesmo, seria como uma ficção de Aldous Leonard Huxley.