sábado, agosto 13, 2022

Gozo Escópico

 


 Antes do gozo está o olhar. (Altamiro Borges)

 

Eugênio Onan, antes do sexo real, descobriu a fantasia erótica e a pornografia. Menino desengonçado e raquítico, era tomado, em sua infância, por apalermado. Falava pouco, e quando falava, provocava risos que o envergonhavam. Preferia brincar só, construindo bonecos e potes de barro. Daí nasceu seu apelido na infância: Tijolinho. O acanhamento de Eugênio Onan foi produzido, seu semblante sempre fechado, foi produzido, sua fisionomia melancólica foi produzida. Eugênio Onan é resultado das interações escolares, familiares, comunitárias em que foi se tornando a pessoa que é hoje. Como dizia, antes de conhecer o sexo real, o embolar dos corpos, na troca de suores e fluidos, Eugênio Onan conheceu as narrativas eróticas e a pornografia. O pai de Eugênio tinha uma pequena mercearia e era frequentada por operários de uma fábrica de tecidos. Entre os operários tinha um que estava sempre acompanhado de um livro. Ele era chamado pelos companheiros de Erudito. “Erudito”, disse certa feita um, “o que você está lendo agora?” “Rapaz, nem te conto! É uma história por demais picante!” E mesmo dizendo que não contava, Erudito passou a contá-la:  “[...] e a menina era um pitel de menina, cabeça bem formada, redonda, redondinha, olhos negros vivazes, lânguidos, nariz gracioso, boca formosa, lábios carnudos, sedentos, sorriso brejeiro. Os cabelos trançados à africano. Ela foi descendo o vestido de chita, revelando o corpo. O corpo, o corpo, meus caros, que corpo! Seios pequenos tipo pera, ornados por duas rijas amorinhas. Cintura bem ornada cingida por um cordão de sementes de lágrimas de Nossa Senhora. Depois, lentamente foi baixando a calcinha, mostrando os pentelhos, a frestinha do grilo...”. Eugênio, que brincava por ali, com seus hominhos de barro, não tinha mais que doze anos. Como os operários, ia se deixando levar pela narrativa de Erudito. E desenhando em sua mente aquela personagem, ia sentindo um frêmito descomunal. Mais tarde, umas de suas obras viria a receber o título: “Mulher de peras com amoras.” “Cabra de sorte este pandego! Rapariga assim não se acha não, vice?”, exclamou um dos operários, ao fim da história. Enquanto Erudito estava sempre acompanhado de um livro, Miquéias trazia sempre consigo uma Playboy, ou fotonovelas pornográficas, que, depois de três quatro copos de cachaça, deixava abandonada sobre o balcão. O pai de Eugênio corria a recolher e esconder. A mercearia atendia também mulheres e crianças em busca de itens para casa e guloseimas. Então, era preciso manter um certo decoro. Certa feita, Eugênio voltou furiosíssimo da escola. A professora o fizera ir à frente da sala e ler um paragrafo da cartilha. No que ele leu “plobrema”, a professora, para o riso de muitos, desceu-lhe a régua: “Prrrroblllleeeema, prrrrrrobllllleeeema, seu energúmeno!” “A carrasca”, sua premiadíssima obra, relembra este episódio. Dizia, Eugênio voltou para casa furioso, pudesse aniquilava a professora e todos que dele riam. Passando pela mercearia do pai, deu, antes do pai, com uma das revistas de Miqueias: “o confessionário”. À medida que as cenas enchiam o olhar de Eugênio, sua raiva ia se aplacando. Desde então, Eugenio buscava se antecipar ao pai, no confisco das revistas de Miqueias. As revistas e os contos eróticos, além da escultura e, depois, a pintura, tornaram-se o refúgio de Eugênio contra as aporrinhações dos professores, companheiros de escola e familiares. Hoje lhe são refúgio contra o mundo. Eugênio só se satisfaz alheio ao mundo. A vida concreta o oprime. Moldando suas figuras, dando forma a suas angústias e fantasias, Eugenio  se assegura na existência. Dia destes entrou Eugênio em um Dink’s Bar. No palco, à meia luz, uma “erotic Woman” performava  ao som de Lady Gaga. Pouco a pouco, o vestido preto colado ao corpo foi descendo, revelando-o, liberando os seios miúdos, duas peras ornadas por duas rijas amoras. A cintura, cingida de uma delgada corrente de prata e uma pequena medalha de Santa Maria Madalena, serpenteia de um lado a outro. Na anca direita uma sutil borboleta estampa a pele, parece ganhar vida. Lentamente, a calcinha vai descendo por entre as pernas, revelando uma pelve imberbe. Os olhos de Eugênio fixam-se à fresta. “Vamos fazer amor?” ao pé do ouvido, ouviu Eugênio o convite de uma ruiva. “Eu já cheguei ao gozo, meu bem!”, respondeu Eugênio, tomando em um gole só a dose de vodka. Fora um dia difícil para Eugênio, ele saiu desejando ter uma bomba e mandar tudo aos ares. Cogitou jogar-se debaixo de um carro. “Você precisa dar uma, Eugênio!” disse-lhe um conhecido, andas muito estressado. Eugênio lhe sorriu desanimado, seguindo seu caminho, entrou naquele Dink’s bar. Encontrou numa dançarina à meia luz, seu ponto de sossego.

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ARTISTA BANANENSE É DESTAQUE EM CHICAGO

 

Abre hoje, no Museum of Contemporary Art de Chicago, a exposição Eugênio Onan: The bananense genius, que coloca à visitação do público norte americano obras do renomado escultor e pintor bananense, Eugênio Onan. As obras de Onan são, como ele mesmo afirma: “para o gozo do olhar”. Em uma entrevista para o The New York Times diz ele: Eu produzo refúgios aos horrores da vida real, em que as relações concretas frustram, humilham, sufocam. Minha obra é para quem não encontra, na vida real, ponto de sustentação e não encontra coragem para dela saltar. Eu prendo meu olhar ao impossível de uma relação e o transformo em minha obra. Meu prazer é escópico, eu projeto ao mundo minhas fantasias, é nelas, tornadas visíveis que me encontro e gozo.” A exposição em Chicago trará a público sua mais recente obra: Medalhinha de Maria Madalena no dorso nu de uma dançarina. – Diário de Bananópolis, 13 de agosto de 2022.

 

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