domingo, agosto 07, 2022

ENCANTAMENTO E ALUCINAÇÃO

 

“Falar já é sublimar” (Castoriadis)

 

Querida, a manhã é cinza e fria. Levanto-me e preparo o café. Enquanto conjecturo sair ou não para caminhar, penso na eventualidade de encontrar-te. Mas, os deuses do acaso já não mais existem, não mais tramam encontros inesperados. Está em meu caminho uma livraria, passo por ela todos os dias, vez ou outra a frequento, apenas para me inteirar de uma nova publicação. Nunca encontro o título que procuro. No fundo, eu sei que não vou encontrar. Não são os livros e meu interesse por eles que me atraem  à esta livraria. Penso sempre poder encontrar-te, sem aviso, folheando algum exemplar. Seria-me festa no olhar, festa de embriagar a alma de contentamento. Dia deste tive um destes sonhos contigo. Eu era na livraria e buscava o livro do Barthes, o Fragmentos de um discurso Amoroso. Achando-o entre os livros de literatura erótica, folheio-o e nele leio “Espero um telefonema, e essa esperança me angustia mais do que de costume. Tento fazer qualquer coisa e não consigo.” Ouço, então, atrás de mim uma voz conhecida: “A espera é um encantamento”, viro-me e me deparo com teu sorriso seguido de uma explicação: “a pessoa encantada pela espera tem medo de, saindo de onde está, perder o ser que busca encontrar”. Tua presença transborda-me. Abro os braços para acolher-te em mim. Neste instante, desperto. É o vazio a me tonar à realidade. Nessa livraria sempre observo os que entram, batem papo, leem tranquilamente, saboreando um café. Mas é tudo tão cinza, sem vivacidade. Há dias que me vem de me plantar e não arredar pé da livraria, no aguardo de tua presença. É relutante que cedo ao: “Senhor, precisamos fechar!”. A festa de ter-te e encantar-me de tua presença se adia. Sonho e realidade se conluiam contra mim. Não saber de ti é como viver no exílio. E neste sentimento exilar deliro. Toda pessoa por quem passo, toda voz que ouço, é, numa primeira impressão, a tua presença. O encantamento da espera não é apenas imobilizante, é, sobretudo, delirante. O café está pronto, seu aroma preenche a cozinha. É teu perfume que sinto: alucino o que desejo. Escrevendo-o, mantenho-me lúcido.

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