“Falar já é sublimar” (Castoriadis)
Querida,
a manhã é cinza e fria. Levanto-me e preparo o café. Enquanto conjecturo sair
ou não para caminhar, penso na eventualidade de encontrar-te. Mas, os deuses do
acaso já não mais existem, não mais tramam encontros inesperados. Está em meu
caminho uma livraria, passo por ela todos os dias, vez ou outra a frequento,
apenas para me inteirar de uma nova publicação. Nunca encontro o título que
procuro. No fundo, eu sei que não vou encontrar. Não são os livros e meu
interesse por eles que me atraem à esta
livraria. Penso sempre poder encontrar-te, sem aviso, folheando algum exemplar.
Seria-me festa no olhar, festa de embriagar a alma de contentamento. Dia deste tive
um destes sonhos contigo. Eu era na livraria e buscava o livro do Barthes, o Fragmentos
de um discurso Amoroso. Achando-o entre os livros de literatura erótica,
folheio-o e nele leio “Espero um telefonema, e essa esperança me angustia mais do
que de costume. Tento fazer qualquer coisa e não consigo.” Ouço, então, atrás
de mim uma voz conhecida: “A espera é um encantamento”, viro-me e me deparo com
teu sorriso seguido de uma explicação: “a pessoa encantada pela espera tem medo
de, saindo de onde está, perder o ser que busca encontrar”. Tua presença
transborda-me. Abro os braços para acolher-te em mim. Neste instante, desperto. É o
vazio a me tonar à realidade. Nessa livraria sempre observo os que entram,
batem papo, leem tranquilamente, saboreando um café. Mas é tudo tão cinza, sem
vivacidade. Há dias que me vem de me plantar e não arredar pé da livraria, no
aguardo de tua presença. É relutante que cedo ao: “Senhor, precisamos fechar!”.
A festa de ter-te e encantar-me de tua presença se adia. Sonho e realidade se
conluiam contra mim. Não saber de ti é como viver no exílio. E neste sentimento
exilar deliro. Toda pessoa por quem passo, toda voz que ouço, é, numa primeira
impressão, a tua presença. O encantamento da espera não é apenas imobilizante,
é, sobretudo, delirante. O café está pronto, seu aroma preenche a cozinha. É teu
perfume que sinto: alucino o que desejo. Escrevendo-o, mantenho-me lúcido.
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