domingo, março 27, 2022

DA FILOSOFIA

 

“Eu falo de coisas que não sei, por isso, as falo com incertezas.” (Rodner Lúcio)

 

Eu gosto de falar com pessoas, adultas ou jovens, que queiram ampliar as suas e as minhas capacidades de compreensão de mim, de si, da realidade que nos produzimos. Eu gosto de conversas que evidenciam a minha ignorância e me instiguem a querer saber, e gosto de falar com pessoas que queiram ser autônomas, capazes de pensarem por si mesmas. Agora com pessoas, adultas ou jovens, que já tudo sabem e se fartam de suas certezas, que se mostram indiferentes ao modo como são conduzidas à “normalidade” das coisas, com aquelas que encontram no Google, nas redes sociais, nos telejornais, as respostas que lhes cai melhor, a estas eu me reservo o direito da escuta entediada, desinteressada.

Então eu não gosto de ensinar, eu não sei ensinar. Ensinar supõe que você sabe, e eu não sei. Eu estou sempre me interessando por saber. Costumo dizer a meus alunos que eu não lhes ensino nada, que apenas falo com eles de coisas que me interessam saber. Há um bom tempo, eu brinco com a filosofia, ou a filosofia brinca comigo. Eu me aproximo, ela se afasta, eu me afasto ela me seduz. Quando penso já ter clareza de algo, este algo me desafia, numa pergunta de um aluno perspicaz.  

Há a noção de que a Filosofia ensina a pensar. Não é verdade. Pensar é um patrimônio de todas as pessoas, pensar nos diferencia das demais espécies. Nós não ensinamos as pessoas a respirarem, nós não ensinamos as pessoas a correrem. As pessoas andam, correm, pensam. Eu não ensino a pensar, porque as pessoas pensam. A Filosofia é um produto do pensamento, como a arte é um produto do pensamento, como um verso é produto do pensamento. Há formas de respirar, há formas de correr, há formas de pensar. Um nadador usa a respiração de modo diverso de um maratonista e de um yoga. Um maratonista não corre do mesmo modo que um fundista.  Um filósofo pensa a realidade de um modo diverso do historiador, de um biólogo, de um sacerdote, de um poeta, da pessoa comum, sufocada de afazeres, sufocada de informações e distrações, que quase “não respira”, que quase “não pensa”. Eu não sei ensinar a pensar, a filosofia não ensina a pensar.

Eu sei falar do que penso, e sei que penso um tanto de absurdos, um tanto de excrescências, que não falo tudo o que penso. Falar é uma responsabilidade. A fala discrimina, ofende, humilha, incita, mata. É preciso responsabilidade com a fala. É preciso inverter o “eu falo o que penso”. “Eu pensei antes de falar, e falo o que pensei”, seria o certo. A filosofia apenas coloca o pensar antes do falar, é a arte de suspender a fala e de falar incerto de saber. Quem suspende a fala e a repensa não dita certezas, a fala filosófica é aporética. “Só abra a boca quando tiver certeza!”, para quem pensa é uma impropriedade. Quem pensa está sempre incerto, e se abre a boca é justamente para expor suas incertezas.

Eu não sei falar do que sei, gosto de falar do que me interessa saber. E desde meus quinze anos me interesso por filosofia.   

sábado, março 26, 2022

IONE-ME


 

DEPOIS DE ERGUIDO TUDO TORNA A SER RUÍNAS

 A ordem surge do caos e ao caos retorna

É do conflito que nasce o desejo da fugaz tranquilidade

O conhecimento surge da ignorância, que se renova todas as manhãs.

Do desentendimento nasce o esclarecimento sempre cedendo às cegueiras da razão

As civilizações prosperam do culto às barbáries.

Não obstante todo avanço, o retrocesso esta sempre adiante.

E o homem, que entre amigos sorri e festeja, em si traz apenas o desejo de não ser.

Viver é caminhar para a morte.

terça-feira, março 08, 2022

QUE HOMEM EU DEVO SER?

 

“Eles são homens e fizeram porque aprenderam que podiam fazer” (Pitty)*

 

Eu já fiz muita coisa que contribui com a cultura do macho abusivo, escroto. Já assinei revista pornográfica, já assinei sites pornográficos, já participei de despedidas de solteiro em Drinks Bar, e já frequentei Drinks bar sem a despedida de solteiro. Já incentivei concursos de misses, já fui em festas e baladas apenas para “caçar”, já fiz psiu e chamei a menina de tudo aquilo que um homem tóxico chama uma mulher que passa por seu caminho. Eu aprendi que as atividades domésticas é coisa de mulher, e que mulher, não tem querer ante os desejos dos homens, mesmo quando seus desejos sejam inconfessáveis. Dizem por ai que somos produto da cultura. Se assim é, poderia me escusar então: Eu sou o que a minha cultura é! Cultura se escolhe? Creio que não! Temos uma outra cultura? Parece-me que não. Então eu sou machista e meu pai, meus irmãos e minha esposa, minha mãe, minhas irmãs e cunhadas também são. Mas a cultura não é um dado estático, permanente. A cultura não é dada, é produto humano, por isso é cambiante, pode ser transformada. E é mudando nosso modo de ser e relacionar-se que mudamos a cultura. E a cultura do macho abusivo, escroto, precisa ser combatida. Então, o que me tenho proposto há alguns anos é abandonar o como eu me relaciono com as mulheres, compreender minha cultura, reconhecer os abusos que a estruturam e assumir nova postura, abandonar o macho abusivo. Diria que tenho me proposto nascer uma segunda vez, isto é, dar-me um novo nascimento, e este nascer não é algo que se dá do dia para a noite, há todo um processo de gestação.  Neste processo, permeado de contradições, eu tenho evitado amigos misóginos, machistas, racistas, homofóbicos etc. Não participo de conversas sobre mulheres sem que elas estejam presentes. Assim, mesmo vivendo em uma sociedade ainda marcada pelo machismo, tenho me proposto rever atitudes, comportamentos, formas de pensar.  Precisamos refundar as relações entre homens e mulheres, produzir uma nova cultura, em que a dignidade da pessoa enquanto pessoa esteja antes de seu gênero e de suas opções sexuais. Essa nova cultura só se dará se homens e mulheres estiverem juntos, combatendo o que precisa ser combatido: a visão redutora e submissa do feminino e a exaltação das “virtudes” do macho alfa e seus desejos. Para isto, é preciso condenar toda e qualquer forma de violência: física, psicológica, econômica, política, religiosa, contra as mulheres e dar-lhes a palavra. É preciso ouvir as mulheres: que sejam elas a nos dizer como querem ser conquistadas e amadas, que homens elas esperam que sejamos, que cultura devemos produzir!

 

* A epigrafe é referente a um comentário da cantora Pitty sobre o estupro coletivo de uma jovem de 16 anos, no Rio de Janeiro, em maio de 2016.