A Consciência Negra é uma mentalidade e um modo de vida, o apelo mais que positivo já emanou do mundo dos negros. (Steve BIKO)
O
ser negro não existe, não deveria existir. O ser negro é um, uma, que não
conta, na relação com o outro; é um algo, uma coisa, um objeto de uso na
relação com o outro. Ser negro é não ser reconhecido pessoa. O ser negro não se
nasce. O ser negro se é tornado nas relações de expropriação da dignidade e
humanidade do outro.
Ao
ato de reduzir pessoas a coisa, a moeda, a mercadoria, chamamos negrismo. Em
sua economia impera relações de dominação, submissão, subalternização, do
outro, mediante a concentração de recursos naturais, técnicos, culturais,
econômicos, em que pessoas são reduzidas a força de produção de tais bens e
vetados de os usufruírem, pois acumulados e concentrados entre poucos. O
negrismo se dá desde a aurora do humano. Se hoje, “raça”, “racismo”, assume os
contornos próprios do negrismo, o negrismo sempre sombreou as relações
políticas, especialmente quando se trata de justificar guerras de conquista e
dominação de povos estrangeiros: bárbaros, selvagens, ímpios...
No
Brasil, devido sua história colonial, escravista, patriarcalista,
patrimonialista, elitista, o negrismo é percebido como conflito de raças. A
concentração de renda e bens nas mãos de poucos, a carência indigente de
milhares, demarcam os mandos e desmandos de uns e a subalternização dos demais.
E quanto mais escura a pele da pessoa,
mais ela está sujeita a ser negro, a ser tornada negro. No entanto, mulheres e
homens de peles claras não escapam ao negrismo. É característica do negrismo o
desemprego, o subemprego, o emprego precarizado, a carência alimentar, a
ausência de recursos e equipamentos de Estado, a não ser na intervenção truculenta
e, por vezes, homicida das polícias. Onde impera o negrismo, a cor da pele
pouco importa, a não ser para manter as pessoas divididas. No Brasil
contemporâneo, brancos e pretos são descartáveis. A oposição de raças só se
mantém por propósitos políticos. Manter a desconfiança, a suspeita, entre os
que não contam, mantém o controle da economia, a concentração dos recursos
naturais, dos bens materiais e a fruição dos bens culturais entre poucos. Entre nós, o racismo não é apenas estrutural, ele se mantém
como estratégia do negrismo, do descarte de pessoas das decisões políticas e de
acesso e fruição aos bens materiais e culturais produzidos.
Contra
o negrismo, dá-se a Negritude. Negritude é oposição ao negrismo. É um ato de
consciência, de resistência, de luta, de proposição de um outro modelo de
co-vivência entre as pessoas: comunitária, solidaria, inclusiva, de partilha. A
consciência negra assume que nossa sociedade tende a despersonalizar, a
desumanizar, a coisificar o outro em nome do “mercado”, fundado numa economia
predatória e políticas que não visam apenas o desmonte do Estado, mas, sobretudo,
a manutenção do mandonismo, da subalternização, da despolitização das camadas
populares, mantendo-as privadas dos bens econômicos, materiais e culturais que
elas produzem, dividindo-as por polêmicas e conflitos genéricos e alienantes.
Instrumento
da negritude, a consciência negra estende seu olhar e percebe que não apenas as
pretas e os pretos são desqualificados, destratados, tornados inumanos. O
negrismo não é uma questão de raça ou de cor de pele, é de quem consome os bens
materiais e cultuais produzidos, e de quem, deles, recebe apenas migalhas ou
nada recebe.
Se
a negretização, o tornar menos as pessoas, se dá numa relação de desigualdade
em que a pessoa é precarizada ao ponto de submeter-se às imposições dos
operadores do “mercado” e aos interesses dos “senhores” do mundo, essa forma de
evadir a pessoa de sua humanidade plena encontra na Negritude seu contraponto e
resistência.
As
mulheres pretas, os homens pretos, ainda são os que mais sentem na pele os
efeitos do ser tornado menos, na sociedade de consumo, que lhes consome também
a vida pouco usufruída. Mas não são mais apenas os mais pretos, as mais pretas
que sofrem o ser tornado um que não conta. Todo brasileiro, toda brasileira em
condições de precariedade e carência do necessário à própria existência é
negro, é negra; a sombra do negrismo as atinge.
O
mundo dos negros é o mundo dos que não contam. Assumir tal realidade, se
insurgir contra ela, é Negritude. Não basta saber-se negro, é preciso combater
o negrismo, os mecanismos e as estruturas de desumanização. É este o papel da
Consciência Negra.
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