Há alguns anos foi inaugurado em nossa cidade um caraminholal. Um lugar amplo, bonito, acolhedor, mas com pouco uso. Faltava clareza de sua utilidade. Então, formou-se uma comissão e esta deu-se o papel de estabelecer os regimentos de uso do equipamento – vou usar este termo porque caraminholal é usual cá entre nós. E, dia desses, eis que me dou com um manifesto de convocação de audiência pública para apreciação da minuta do regulamento do equipamento. Eu cá com minhas caraminholas achei interessante e me dei de ir participar da dita audiência pública. A audiência foi assaz interessante, os presentes eram concordes quanto à importância do equipamento: “contribuía com a pujança turística da cidade”. Eram concordes também quanto aos usuários: “era um equipamento de todos os munícipes e para todos os munícipes, sem distinção alguma.” Um impasse, no entanto se estabeleceu: “Era do equipamento a função de produzir caraminholas”, algo em que também não havia discordância, mas o entendimento sobre o que vinha a ser caraminholas dividiu a assembleia. Uns defendiam que caraminholas é uma espécie de pensamento em que vamos nos perdendo ou nos deixando perder, outros diziam que caraminholas eram também certas fantasias, certas histórias enganosas. Aqui a questão: “que tipo de caraminholas se queria estabelecer como própria do equipamento?” Uns defendiam que apenas os pensamentos em que nos perdemos deveriam ser permitidos. Outros defendiam que o equipamento comportava também toda espécie de história enganosa, pois também em história enganosas nos perdemos. Embora dividida a assembleia, não houve acaloramento das discussões e se jogou a questão para instâncias superiores esclarecer. O que me chamou a atenção foi um tipo que chegou quase nos finalmentes, tomou da palavra, disse de sua importância na cidade, do respeito que merecia, tomou lá sua posição, e como chegou saiu, sem acompanhar o que se discutiu e se discutia na audiência. Fez-me lembrar algo que vó me dizia: “Fio quem não se dispõe a ouvir, por mais que tenha a falar, não é ouvido, é falado.” Deste “falado”, vó me explicou num outro momento. “Fio, ser muito falado não significa ser levado a sério, ou respeitado”. Estou me perdendo nesta caraminhola. Vó era artista em fazer-me perder em pensamentos.