terça-feira, agosto 08, 2017

ADEUS A MELODIA


Se alguém perguntar por mim/ Diz que fui por aí...


Jhohhana tinha sempre uma canção nos lábios. Chovesse, fizesse sol, Jhohhana se resolvia cantando. Ensaiei muitas vezes dizer-lhe de o quanto me ligava nela. Nunca tive a coragem do último gesto, da pronuncia do: “te quero, te amo”. Havia dias que me exasperava ouvir sua voz, do fundo da sala, sibilando uma canção qualquer, enquanto resolvia equação e teoremas. “Está ai você acabrunhado, vem, me ajuda nesta redação”, convoca-me puro sorriso. Não nos separávamos. O ano terminava, a formatura se aproximando, nossos rumos futuros incertos. Era o sorteio para o amigo secreto, eu desejando o nome de Jhohhana, Jhohhana cantarolando Luiz Melodia. Peguei o papelzinho, desembrulhei-o apreensivo. “Vixe, que desapontamento foi esse? Por acaso não me tirastes?”, e Jhohhana sorriu-me, abraçou-me, beijou-me a face: “já somos amigos e o seremos para sempre!”. Jhohhana voltou a cantarolar: Eu fico com essa dor/ Ou essa dor tem que morrer/ A dor que nos ensina/ E a vontade de não ter...” Jhohhana, eu deitado em seu colo, desalinhava meus cabelos, falava da viagem que faria, sibilava Melodia: “Tente me amar pois estou te amando/ Baby, te amo, nem sei se te amo...” Ela sabia, sorria-me. Faltou-me o risco do último gesto. Não fui justo com Jhohhana. Ficamos amigos. Falta-me seu sorriso neste adeus a Melodia!... “Eu estou por aí sempre pensando nela”

POR HOJE


“o suicida é como o prisioneiro que, vendo armar-se uma forca no pátio, imagina que é para ele – foge de sua cela, à noite, desce ao pátio e pendura-se ao baraço”.
 Franz Kafka.


Mastigo pão com manteiga e solvo café amargo. Sob minha pele, o descanso de sol tênue de inverno. “Viver não me é um imperativo categórico”. Respirar é fugaz. Não insisto por existir, existo sem propor-me motivo. Nossa época exige posicionamentos claros, eu não os tenho. Sei para que lado pendo por simples axioma: todo acumulo é furto; uma fugaz harmonia é fruto de sofrimentos perenes.  Mastigo pão com manteiga e solvo café amargo: quantas bocas insaciadas e sedentas propiciam-me o que me escapa sob um sol morno de inverno? O que me escapa, uma frugalidade banal, torna-me ainda existente. Ensaio, porém, uma saída a qualquer momento. É uma questão de time, um kairós, um momento propício, diria Paulo. A sentença esta posta me falta a corda, uma manhã fria, uma tarde de tédio, um fim de festa, a ausência de um sorriso, a pressão por um resultado que não se terá, o excesso de uma fantasia, um desencanto, uma desilusão, o ápice de uma euforia... Colho migalhas da mesa; jogo-as aos pássaros. O que me escapa, torna-me, por hoje, existente...