“E Jesus,
vendo em torno de si uma grande multidão, ordenou que passassem para o outro
lado; E, aproximando-se dele um escriba, disse-lhe: Mestre, aonde quer que
fores, eu te seguirei. E disse Jesus: As raposas têm covis, e as aves do céu
têm ninhos, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça. (Mt 8,18-20)
Se é
consoante tomar a acima referida passagem evangélica como um alerta a quem se
coloca a seguir Jesus, que este não encontrará conforto em sua jornada e ao fim
dela não terá onde se recolher e restituir em segurança suas forças, a situação
a qual Jesus aponta ao escriba, o de não ter onde reclinar a cabeça, pode muito
bem caber não só a ele mas também à multidão diante dele e do escriba, multidão
que, numa passagem anterior, o Cristo ordenara a seus discípulos assistir (Mt
14, 16).
Como
é visto, então, o problema da moradia, como o da fome, não é um tema atual, mas
atravessa séculos de uma história de desigualdades sociais.
Concentrados
aqui no direito à moradia, verificamos que o mesmo é um direito reconhecido
como direito humano universal apenas em 1948, com a Declaração Universal dos
Direitos Humanos. E está presente em nossa constituição, em seu artigo 6º, como
direito social. Ele corresponde ao direito a um padrão de vida adequado. Mas
ele representa mais que isto.
Nossa
história só tem sentido a partir de um lugar que possamos dizer meu, não como
posse, mas como referente, um ponto onde
estabeleço minha identidade e minha identificação. De tal modo o lugar onde
moro, minha casa, uma moradia, lugar onde recostar a cabeça é mais que o
direito a ter quatro paredes e um teto.
- É
o lugar onde me recolho, me refaço do cansaço, da fome, do sono, onde me
protejo das ameaças externas, das intempéries...
- É
o lugar onde acolho, recebo os amigos e com eles celebro minhas vitórias,
significo e resignifico minhas perdas...
- É
um ponto certo de partida e de retorno, sendo minha referência no mundo, o
ponto onde me situo e de onde me lanço no existir, no persistir, no insistir
viver...
- É
o lugar onde se recosta a cabeça e se revê, se reestabelece, se reorganiza os desejos, os projetos, as
decisões, se estabelece os passos seguintes, os desafios à frente.
- É
mais que quatro paredes e um teto é lar, lugar dos conflitos interpessoais e da
afetividade que sustenta as relações, restabelece os ânimos evoca o passado,
projeta-se o futuro.
- É
o lugar de minha identidade e minha identificação com um lugar e sua gente que
se assoma a mim e eu a eles me cativando, motivando, impulsionando a ser mais
sem ser apenas mais um.
Daqui
a importância de se lutar para que todo ser humano tenha seu espaço, sua
moradia, seu lugar de intimidade, de privacidade, para ser para si, para os
seus, para o mundo... Não se trata de um direito por um teto apenas, uma
propriedade, é luta para que ao termos um abrigo, uma morada, não fechemos
nossos corações, mas sejamos morada, abrigo (Vós sóis morada do Espírito Santo,
nos Lembra Paulo de Tarso) a outros que desejam e lutam por dignidade, por
respeito, por justiça social... Que nosso desejo de um lugar que nos acolha
seja também desejo de acolher o outro onde quer que estejamos e façamos desse
lugar nosso lar: algo mais que quatro paredes e um teto...
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