domingo, fevereiro 05, 2017

ELE NÃO TINHA ONDE RECLINAR A CABEÇA


“E Jesus, vendo em torno de si uma grande multidão, ordenou que passassem para o outro lado; E, aproximando-se dele um escriba, disse-lhe: Mestre, aonde quer que fores, eu te seguirei. E disse Jesus: As raposas têm covis, e as aves do céu têm ninhos, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça. (Mt 8,18-20)



Se é consoante tomar a acima referida passagem evangélica como um alerta a quem se coloca a seguir Jesus, que este não encontrará conforto em sua jornada e ao fim dela não terá onde se recolher e restituir em segurança suas forças, a situação a qual Jesus aponta ao escriba, o de não ter onde reclinar a cabeça, pode muito bem caber não só a ele mas também à multidão diante dele e do escriba, multidão que, numa passagem anterior, o Cristo ordenara a seus discípulos assistir (Mt 14, 16).

Como é visto, então, o problema da moradia, como o da fome, não é um tema atual, mas atravessa séculos de uma história de desigualdades sociais.

Concentrados aqui no direito à moradia, verificamos que o mesmo é um direito reconhecido como direito humano universal apenas em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. E está presente em nossa constituição, em seu artigo 6º, como direito social. Ele corresponde ao direito a um padrão de vida adequado. Mas ele representa mais que isto.

Nossa história só tem sentido a partir de um lugar que possamos dizer meu, não como posse,  mas como referente, um ponto onde estabeleço minha identidade e minha identificação. De tal modo o lugar onde moro, minha casa, uma moradia, lugar onde recostar a cabeça é mais que o direito a ter quatro paredes e um teto.

- É o lugar onde me recolho, me refaço do cansaço, da fome, do sono, onde me protejo das ameaças externas, das intempéries...

- É o lugar onde acolho, recebo os amigos e com eles celebro minhas vitórias, significo e resignifico minhas perdas...

- É um ponto certo de partida e de retorno, sendo minha referência no mundo, o ponto onde me situo e de onde me lanço no existir, no persistir, no insistir viver...

- É o lugar onde se recosta a cabeça e se revê, se reestabelece,  se reorganiza os desejos, os projetos, as decisões, se estabelece os passos seguintes, os desafios à frente.

- É mais que quatro paredes e um teto é lar, lugar dos conflitos interpessoais e da afetividade que sustenta as relações, restabelece os ânimos evoca o passado, projeta-se o futuro.

- É o lugar de minha identidade e minha identificação com um lugar e sua gente que se assoma a mim e eu a eles me cativando, motivando, impulsionando a ser mais sem ser apenas mais um.

Daqui a importância de se lutar para que todo ser humano tenha seu espaço, sua moradia, seu lugar de intimidade, de privacidade, para ser para si, para os seus, para o mundo... Não se trata de um direito por um teto apenas, uma propriedade, é luta para que ao termos um abrigo, uma morada, não fechemos nossos corações, mas sejamos morada, abrigo (Vós sóis morada do Espírito Santo, nos Lembra Paulo de Tarso) a outros que desejam e lutam por dignidade, por respeito, por justiça social... Que nosso desejo de um lugar que nos acolha seja também desejo de acolher o outro onde quer que estejamos e façamos desse lugar nosso lar: algo mais que quatro paredes e um teto...

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