domingo, julho 18, 2021

DIA DA ALEGRIA

 

Meu olhar atravessou o bar

E ancorou nos olhos dela

Esbocei um sorriso debutante

Acanhado

Apresentei-me para ela

 

Não estarei eu sonhando acordado

Com o gosto de seus lábios

Menta, álcool, canela?

 

Cheio de euforia de seu abraço

Conduzindo nossos corpos

Num dois pra lá-dois pra cá

Desajeitado

Minha alegria atravessou o bar

 

Em seu corpo almiscarado

Serpenteando-me

Entesado

Minha alegria é frenesi

Entusiasmo

 

Minha alegria atravessou o bar

Está ancorada entre suas pernas

É hoje o dia da alegria

A tristeza, amanhã

Volta a me acampar.

 

 

sábado, julho 17, 2021

CARTA PARA NEIDE

 

Querida Neide, como você está?

 

Dia destes acompanhei uma tua parlamentação com um devoto do homem que caga pela boca. E você, a certa altura, respondeu-lhe: “se Deus existe, ele não será reeleito!”. Neide, minha amiga, Deus existe! Mas Deus não entra em disputas humanas, nem realiza o que é de competência humana. Deus ou distribui graças, que é universal, isto é, sem distinção. Deus não escolhe a quem agraciar. Como está escrito em algum lugar: “O sol nasce para todos: para justos e injustos!” Depois, Deus opera milagres, isto é: Deus age onde a competência humana não alcança. Uma cura, por exemplo é milagrosa quando a medicina não lhe oferece remédio. Havendo recursos humanos e capacidade humana para sanar um mal, se ele ocorre não é por que Deus quer ou permita, é porque ele não intervém lá onde é poder do homem intervir. Então, nas eleições a vir, não será Deus que irá escolher ou rejeitar o homem que caga pela boca. Será o povo, porque cabe ao povo e não a Deus escolher seus representantes e lideres. O homem que caga pela boca, hoje, só tem aprovação dos desinformados, dos ignorantes, em sua qualidade perniciosa. Sim há duas formas de ignorância, uma salutar, aquela de não saber, que não exclui a possibilidade de vir a saber; outra perniciosa, que consiste em saber, mas por conveniência, abrir mão do que sabe e fazer-se de desentendido. Além dos desinformados e dessa espécie de ignorantes, ainda apoiam o homem que caga pela boca os de mau-caráter. Estes associam a ignorância perniciosa às seus interesses mesquinhos. Por isso são capazes de falar de Deus e o instrumentalizar com certa eficiência. Como a esta altura, não deveria haver pessoas desinformadas a respeito dele, de sua risível personalidade e incapacidade, de sua família e de seu envolvimento com o crime, repito, querida amiga: não será Deus que irá permitir ou não que o homem que caga pela boca continue nos governando, será o número de ignorantes perniciosos e maus-caracteres que compõem nossa sociedade.

HISTORINHA DE SÁBADO

 

O carro de pai apresentava problemas mecânicos. Mãe dizia a pai: “leve, homem, essa carroça no mecânico, essa joça vai nos deixar na estrada!” Pai protelava. Não tão distante de casa, pelo contrário, muito próximo de casa, havia uma oficina autorizada, mas pai protelava. O feriado estava próximo e a oficina oferecia uma promoção: “Viaje 100% seguro: Conte com nossos serviços!”. Mas pai delegou: “estão cobrando caro”. E o feriado chegou, e descemos para o litoral. Na descida da serra o carro de pai começou a pipocar, arriou. Esperamos cinco horas na estrada por um resgate. Tivemos que retornar para casa, o custo com o resgate consumia as reservas para o passeio. O sujeito do resgate orientou a pai uma oficina “de confiança, doutor”. Passados três meses, o carro ainda continua lá a preço três vezes maior que na autorizada, do lado de casa. “Pançuelo, tens certeza que és especialista em logística?” pergunta mãe, indignada. “Lá no meu trampo, eu só assino a papelada, quem faz os rolos é o chefe”, explica pai, orgulhoso.

quinta-feira, julho 08, 2021

ONÉSIMO (micro conto)


Onésimo, em seu pijaminha verde oliva, desceu para brincar com a Familícia no campo de lama. Onésimo se ofende com quem diz de seu pijaminha elameado e ameaça distribuir porrada. Mas Onésimo não deixa a brincadeira. Uma hora eu falo da irmã do Onésio, ainda no leite, já aposentada.

domingo, julho 04, 2021

OS CORPOS DE SÃO BENTO

 

Na última década, Descompasso, em um de seus sábados de julho, tem amanhecido com um mistério: o aparecimento, em seus arredores, de corpo jovem, masculino, decapitado e amputado.  Já apareceu corpo no coreto da praça, no pátio de entrada da prefeitura, no altar da Igreja Matriz, no estacionamento da Câmara de vereadores. E nunca se chegou a identificar as vítimas. Fora esse evento, Descompasso é uma cidade bucólica durante todo o ano. Há queixas de roubo de galinha, de porcos, roupas do varal. Há chamados para apartar brigas de vizinhos, marido e mulher. Mas chega julho e sobre a cidade cai um misto de suspeita, temor, curiosidade. Nos últimos quatro anos, eu respondo pela investigação deste escabroso caso, batizado: “Caso dos Corpos de São Bento”.  São Bento é padroeiro de Descompasso e um dos corpos apareceu no dia de sua festa. Já os burburinhos tomam conta dos munícipes, e o delegado já está me açodando por um resultado positivo.  Hoje uma conversa em casa de minha mãe, surgiu um comentário sobre as floreiras de seu Alfrânio. Comentou uma minha irmã: “para os próximos dias teremos floreira nova no jardim do ranzinza.” “Como uma pessoa tão mau humorada tem mãos de fadas. Tudo o que ele toca flori e frutifica”. Se Alfrânio, de fato, era um exímio jardineiro. Seus serviços eram requisitadíssimo e seu jardim particular um cartão postal. Como logo passamos a outro assunto, mãe já falava de tia, de suas “invencionices”, o comentário de minha irmã passou ao largo. Mas, deixando a casa de mãe, por algum motivo, tomei a rua Guimarães Cortez que me fez passar em frente à casa de seu Alfrânio, atraindo meu olhar para seu jardim. Nunca havia me dado conta dos enormes vasos de cimento, cerca de um 50 cm de altura, com 50 cm de diâmetro de abertura e 30, 35 cm de diâmetro de base.  Um conjunto de doze vasos com pés de abacate, laranja, manga, maçã, rodeados de gerânios das mais diversas cores.   Ao redor floriam tulipas e azaleias também de variadas cores. A disposição dos vasos e os arranjos florais testemunhavam a maestria de seu Alfrânio. Por mero impulso, confesso, parei o carro, desci e me dirigi em direção ao jardim e casa de seu Alfrânio. É preciso dizer que de seu Alfrânio pouco se sabia. Era um sujeito reservado. Um solteirão pouco amigável. Dizem que no passado ele dividia a casa com um companheiro, mas este, devido seu temperamento o teria abandonado.  Desde então, “tinha atenção apenas para suas plantas”, comentavam. Bati à sua porta, sem estar certo do que fazia ali. Não houve resposta. Percebi, então, a ausência de sua camionete, intuindo que não se encontrava. Veio-me a ideia de verificar os fundos da casa. Encontrei apenas instrumentos de jardinagem, o vaso que minha irmã fizera referência, algumas mudas e sacos de terra. É, eu tinha imaginado coisa. Já retornava para o meu carro, quando Alfrânio estacionou a camionete, desceu, abriu o porta da garagem, guardou a camionete e dirigiu-se, em minha direção, para os fundos,  trazia consigo um saco de ráfia todo ensanguentado. Vendo-me, Alfrânio assustou-se de tal modo que congelou-se, largando súbito o saco. Do saco rolou a cabeça de cabeleira loura. O corpo, ainda com as mãos, era na camionete.  Alfrânio mantém-se catatônico.   Descompasso terá um julho sem mistério.