O grito surdo da realidade se faz ouvir na ficção. Rodner Lúcio
I
Um
pouco antes de entrarmos em quarentena, depois de uma pelada com os amigos, a
última nos últimos cem dias, passamos no bar de um camarada, o Turco, para uma
rodada de cervejas. O compadre Biafra ordenou uma porção de calabresa e o Zico
uma de azeitonas e queijo minas. Enquanto esperávamos as porções e antes de
passarmos para as cervejas, tomei uma quente. Ficamos no Turco um bom tempo
comentando lances de nossa partida e dando largas risadas de nossa pouca
intimidade com a gorducha. A certa hora, Marlene lembrou-nos: amanhã ainda é
quinta-feira, meus guris às sete horas
precisam estar na escola. Também
Deodata precisava ir, quem tinha que estar na escola às sete era ela. Eu e Ruth
acompanhamos o Orlando e sua companheira, Zulmira. Ruth, que havia ficado
apenas no suco de kiwi com hortelã, dirigia. Zico e Biafra, que estavam de
magrela, acompanharam Deodata que mora nas proximidades do Turco.
Na
saída da Capitão Honorato Silva, tomando a Paulistana, deparamos com uma
viatura da polícia estacionada, um pouco adiante dois sujeitos próximos a uma
moto, braços levantados, sob a mira do revolver de um dos policiais, um outro
policial verificava o que parecia ser documentos...
O
Orlando recordou uma batida que eu ele e o Zico tomáramos na adolescência. Era
uma sexta feira, pouco mais de meio dia, havíamos acabado de sair da escola. Passando
pela Galdino Figueira, entramos no mercado, o Zico comprou um wafer, o Orlando
chicletes. Do mercado, seguíamos pela Galdino para chegar à Praça Anchieta. De
repente senti um safanão nas costas, e vi Zico ser empurrado contra uma
vitrine: “mãos ao alto, pernas abertas”. Sem dar conta do que acontecia, eu e o
Zico respondemos automaticamente, erguendo os braços e virando de costa. Não
demos conta que o Orlando, deitado de bruços ao chão, tinha um cano de arma
rente à cabeça. Ficamos de dez a quinze minutos sobre miras de revolveres, de
três ou quatro policiais, sem nenhuma explicação. Então, um dos policiais, como
que desceu a mão no costado do Orlando, agarrando-o pela gola da camisa e
puxando-o num tranco do solo, algemando-o. Era uma época em que não havia
câmeras, celulares, coisas assim. Nossa sorte foi o professor Aristeu estar
passando por lá e ter presenciado a cena. “Senhor oficial, o que se passa?”,
interviu o professor Aristeu. “Cidadão estamos fazendo nosso trabalho, por
gentileza (um gentileza ríspido), mantenha-se afastado!” Mas o professor
insistiu: “Senhor oficial, perdoe-me a intromissão, mas esses meninos são
alunos meus, e pretendo uma informação clara do porque eles estão sendo
abordados e porque o Orlando está sendo algemado”. “E quem é o senhor?”,
perguntou, com certa irritação, o policial. “Eu sou Aristeu Carmona, professor
desses meninos, como já disse. Posso, por gentileza, ter uma explicação do que
está acontecendo. “Já informei, cidadão (ainda em tom agressivo), estamos
fazendo nosso trabalho, agora se o senhor nos dá licença”. “Soldado, eu sou
Aristeu Carmona, professor de educação física, esses meninos são meus alunos.
Ou o senhor me informa o que está ocorrendo ou vou acionar o capitão Carmona.
Não por acaso, meu irmão.”
Circundado
de curiosos que acompanhavam a cena, o policial mudando postura, baixando a
arma explicou: “estamos verificando uma denuncia de assalto na região e aquele
ali, apontando para Orlando, se encaixa na descrição que temos. Demos voz para
que se firmasse para verificação, mas ele resistiu e nos desacatou”. “Não é
verdade, não é verdade”, falamos eu Zico e Orlando, desesperados, ainda sob a
mira de revólveres. De imediato recebemos ríspida ordem para nos calarmos.
O
certo é que não fosse a expressão “capitão Carmona”, talvez não estaríamos
relembrando esta ocorrência de adolescência, com desfecho favorável. Com esta
recordação, chegamos ao prédio de Orlando e Zulmira. Eles desembarcaram,
confirmamos um encontro para o domingo, nos despedimos.
II
Tiramos
a sorte grande naquele dia, e sou muito grato ao professor Aristides, de quem
gostava pouco. Ele era muito rigoroso e, por vezes, rabugento. Mas não fosse
sua intervenção, esta lembrança, talvez tivesse cores de lágrimas e sangue,
como lemos frequentemente nos noticiários.
“Vocês
também andam por aí todo largados, parecendo bandidos!”, reagiu minha mãe,
quando lhe narrei o ocorrido. “Como bandidos”, significava como pretos, que
para minha mãe era sinônimo. Em casa era comum este tipo de juízo. Para pai tinham pretos “de alma branca” e
pretos “vadios”, “preguiçosos”, “imprestáveis”. Fui educado neste ambiente. Tio
era especialista em contar piadas de negros. Todo almoço de família ele soltava
suas perolas. As ofensas que vó disparava contra tia Edelvina, hoje, a levariam
presa.
Sempre
que saia de casa havia duas recomendações: “não esqueça a identidade; anda como
gente”. Recomendações supérfluas: a identidade é a última coisa que nos pedem
numa abordagem policial. E não importa se você está no fino da moda ou no
mulambo, é nossa pele que nos trai. Viver, tirar algum prazer da vida, é ato de
coragem e golpe de sorte. Ao sair de casa, mesmo descrente, eu rezo.
Dia
desses lendo o jornal, deparei-me com a notícia de uma pessoa, que assaltada, na
queixa, a única descrição que deu do assaltante: “era negro”. Ariovaldo, meu vizinho,
passou quarenta dias preso. Mesmo a vítima não o reconhecendo, mesmo os
testemunhos a seu favor, que o colocava na escola e não na cena do assalto,
demoveram a convicção do delegado, do promotor, do juiz. E, ainda agora,
continua sob “averiguação”. Centenas de outros casos como este acontecem todos
os dias em todo canto. E Ariovaldo pode dar-se por feliz. Nem todos têm a sorte
de apenas serem presos.
“Alguma
coisa fez! A polícia não prende quem anda como gente!”, foi o que disse mãe, ao
saber do ocorrido. E mesmo agora, ciente da inocência de Ariovaldo: “ninguém é
investigado e fica preso sem ter feito algo errado!”, diz mãe.
Certa
vez, perguntei a mãe como ela se via no espelho. “Espelho não é pra se vê,
menino. Espelho é pra se ajustar!” Desta resposta entabulei com mãe a seguinte
conversa: “Então, como a senhora se vê?” “Eu me ponho no meu lugar, sei o que
apetece ao tipo de pessoa que sou?” “E que tipo de pessoa a senhora é?” “Das
que entram e saem da vida sem ter uma história!” “Como assim?” “Nasci, cresci,
casei, tive filhos, os eduquei, se eu morro sem que eles me deem desgosto,
morro com o dever cumprido. Terei vivido.”
“Colocar-se
no lugar”, era uma expressão comum de mãe para Ednalva.
Habitamos
uma pele da qual desconfiamos. Isto sempre me foi estranho. Sempre me olhei no
espelho com suspeita.
III
Recordava
estas coisas enquanto Ruth contornava a Alexandre Cardoso para pegar a Toledo
Guimarães. “Não é melhor ir pela Guilhermina?”, comentei. “Por aqui eu não
preciso fazer o contorno, já entro na mão de casa na Crispino Abreu.”
“O
Zico”, ela disse, “está todo esperançoso, amanhã ele tem uma entrevista. Se
Deus quiser, vai dar tudo certo! Ele começando num novo emprego, ele e o Biafra
marcam o casamento.”
“Eles
já não estão casados?, não moram juntos?”
“Sim,
seu bobo, mas eles querem oficializar em cartório, reuni os amigos coisa e
tal...”
Enquanto
íamos conversando, tratando de nós e dos amigos, em mim eu ia conjecturando uma
série de inquietações que me tomaram desde que passamos pela blitz e
relembramos nossa “aventura”, minha de Zico e Orlando...
IV
Augusto
Luiz não teve a minha sorte, a sorte de Zico, a sorte de Orlando, não teve um
professor Aristide, irmão de um capitão, intervindo por ele. Não teve a sorte
de Ariovaldo, de estar vivo, apesar do perrengue dos quarenta dias presos.
Filho
de Eustáquio Luis Gama (pedreiro) e Tereza de Aquino e Silva (diarista),
morador do Morro do Kongo, Augusto Luiz, após abordagem da policia, ficou
desaparecido 20 dias, seu corpo foi encontrado, com sinais de tortura e
sufocamento à ribanceira do Rio Itapemerim, 50 quilômetros de sua casa. Imagens
de segurança mostram os policiais abordando-o na noite em que desapareceu.
Policiais sobre os quais abundam denuncias de abuso de autoridade e
truculência. “Um caso isolado, que está sendo apurado”, informa o porta voz da
corporação.
São
tantos os casos isolados, que tio, entre uma piada e outra, apenas esboça um:
“Acontece! Ele estava no lugar errado na hora errada, isto acontece!”
Estar
voltando da faculdade, às 23h, em nosso cotidiano é um risco, Mas a hora errada
pode ser às 6 horas da manhã, no ponto de ônibus, indo para o trabalho. Pode
ser às 20h de uma sexta feira, em que você, para surpreender a namorada,
esconde o embrulho do presente sobre a jaqueta, um policial pode achar que você
está armado.
Foi
isto que aconteceu com Henrique Soares, que queria fazer uma surpresa à
namorada. Levou dois tiros nas costas. O policial alegou ter “percebido um
volume suspeito, encoberto pela jaqueta”. Naquela mesma noite, momentos antes,
Mario Slav Montalbano foi liberado numa blitz pelo mesmo policial. Montalbano,
naquela mesma sexta feira, por volta das 20 horas, mataria a ex-esposa com a
arma que o policial, que acreditou ver uma arma no volume sob a jaqueta de
Henrique, não fez questão de apreender, durante a blitz a Montalbano.
Era
domingo, Matheus e Heridan combinaram correr pela manhã. Marcaram de se
encontrar na Lagoa e partir dali até o Mirambava, cerca de oito quilômetros. 7h
da manhã faziam alongamento. O carro da polícia estacionou, dois policiais
desceram, os abordaram. Câmaras de segurança registram a cena, registram os
dois sendo conduzidos à viatura. Matheus e Heridan não foram mais vistos com
vida, seus corpos foram encontrados numa cachoeira, próximo à Serra do Mar, 60
quilômetros de onde foram abordados pela polícia. “Um caso isolado, que está
sendo apurado”, informa o porta voz da corporação.
Em
nossa pele é preciso coragem e sorte para sair de casa. Coragem para sair,
sorte para voltar vivo. Se você anda, é suspeito, se você corre, é suspeito, se
você está parado, é suspeito. Nossos corpos têm tendência à balas perdidas.
“Filho”,
dizia vó, “você fica andando com esses maloqueiros (Zico, Orlando,
Raimundinho), uma hora a polícia para vocês.” “Já parou vó, já parou!” “E você
não aprendeu?” “Aprendeu o que vó?” “Que andar só é melhor que em má
companhia!” “Vó, na visão das mães de meus amigos, a má companhia sou eu!” “Se
eu fosse a mãe deles, também acharia, mas sou tua avó!”
V
“Há
uma construção ideológica dos corpos, e esta construção ideológica permeia todas
as camadas sociais, e está arraigada nas instituições sociais. As pessoas se
julgam a partir desta construção. Do mesmo modo que julgamos um produto pela
embalagem, um livro pela capa, julgamos a pessoa pelo corpo, ou, pior ainda,
por determinados aspectos do corpo. Mesmo as pessoas detentoras desse ou
daquele aspecto se julga à luz da ideologia construída. A desconstrução de uma
ideologia não se dá da noite para o dia, não se dá sem conflito, sem
esgarçamentos, sem rupturas e leva tempo, um longo tempo” (Mestre Guiné)
O
projeto colonial segue pulsando em nossas estruturas sociais, se no passado
transformava nossos corpos em mercadoria e combustível na maquinaria de
extração e produção de riqueza, para alimentar o luxo e a ganância das cortes
europeias, hoje o mesmo projeto nos reduz à vidas supérfluas. O fim do
cativeiro não nos libertou, o fim do cativeiro nos marginalizou, nos
criminalizou. Fomos ensinados a suspeitar de nós mesmos, a não nos ver gente.
Entendo
mãe, entendo vó. Entendo tio e suas piadas. Mas é preciso recusá-los. É preciso
combatê-las, combatê-lo sem deixar de entendê-las, entendê-lo. A maquinaria
colonial nos produziu e continua a nos moer, a nos engendrar no pensamento
hegemônico de uma democracia que não nos coloca na conta. Casos isolados de extermínio, balas perdidas,
prisões arbitrárias, não são acaso, é explicitação cotidiana de nossa
identidade colonial. Mas como ontem, como nossos ancestrais: “nos recusamos a
morrer, mesmo que eles tenham feito um acordo de nos matar" (Conceição
Evaristo).
“Quem
trás no corpo esta marca... é preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso
ter gana, é preciso ter manha” para não sucumbir ao jogo, para subverter o
jugo.
VI
Em
Histórias e paisagens, Afonso Arinos diz que Chico-Rei foi traficado para o Brasil
com toda a sua tribo e à custa de um trabalho insano, feito nas curtas horas
reservadas ao descanso, conseguiu adquirir sua alforria. E “forro reservou o
fruto do seu trabalho para comprar a liberdade de um dos da tribo; os dois
trabalharam juntos para o terceiro; os três para o quarto, e assim,
sucessivamente, libertou a tribo inteira!”
O
mestre de capoeira, Anderson Santos, mestre Guiné, segue a filosofia de
Chico-Rei. Diz Guiné: “Eu cheguei por aqui, novinho, com pai mãe e cinco
irmãos. Morávamos num barraco de dois cômodos, dividíamos o banheiro com outras
seis famílias. Pai acordava de madrugada, voltava já noite formada, geralmente
embriagado. Mãe era doméstica. Ficávamos aos cuidados de Genêsia, minha irmã,
que à época tinha quinze anos. Mas Genêsia se enrabichava com o Turco. Então,
era cada um por si. Eu com dez anos sumia no mundo. Um dia Leleu, meu irmão, me
chamou para vender balas com ele nos vagões de trem. Conheci o Piolho. Piolho
era mestre em bater carteiras e roubar relógios. Ele sabia o momento certo de
saltar do trem com o relógio de alguém nas mãos. Leléu não gostava de minha
amizade com Piolho. Era muito comum sermos pegos pelos “gambés”, e toda vez era
um esculacho, um “gambé” chegou a quebrar um dente de Piolho, que prometeu ter
volta. Mas, pouco tempo depois, Piolho foi preso e internado na FEBEM, eu
escapei, por milagre... Leléu resolveu ir se aventurar no Rio. Fiquei ao léu,
sem rumo... Um dia, de bobeira na Praça dos Expedicionários, comecei a apreciar
uma roda de capoeira, algo que durou pouco, logo a polícia apareceu e dispersou
a roda. A capoeira ainda não tinha o respeito que aos poucos tem conquistado.
Fiquei de olho, no entanto no mestre e o segui. Foi algo instintivo. Uns dias
depois, bati em sua porta: “O senhor ensina capoeira?”... A única exigência de
mestre Calunga era com os estudos. “Não precisa, necessariamente estar na
escola, mas precisa estudar, saber de seus ancestrais, saber de sua história,
saber sua identidade”. Foi assim, que ingressei numa turma de alfabetização
popular na Casa Chico-Rei. Na Casa Chico-Rei me alfabetizei, tornei-me
eletricista, capoeirista, percussionista. Na minha cola, veio minha irmã
Anastácia, que entre culinária, bordado e alvenaria, escolheu alvenaria e meu irmão Jurimar, que também escolheu
aprender alvenaria. Na Casa Chico-Rei o mais importante não era a formação para
o trabalho ou para a arte, estas eram estratégias para combater o pensamento
hegemônico, para descolonizar. “A capoeira é uma luta que não usa força, que
não agride, é uma luta manhosa, uma luta que rompe grilhões, que liberta”,
ensinava Mestre Calunga. “O colonizador nos desterra, nos desarticula, nega-nos
nossa história e querem determinar nosso destino. O colonizador tem a
necessidade da conquista seja de forma rude, agressiva, perversa, seja de forma
adocicada, sutil, pelo discurso de uma liberdade que não liberta, de que basta
esforço, empenho, disposição, vontade... O colonizador, por deter os meios de
comunicação, de informação e de formação, se introjeta em nós e, de nós, nos
governa. Contra essa intromissão, é preciso gana, é preciso manha, é preciso se
libertar e ir libertando um a um; é preciso criar os próprios caminhos de
produção do saber que o colonizador nos nega.”
A capoeira é estratégia, é aproximação dos nossos, de sua linguagem,
aprender capoeira não é apenas aprender a lutar, a gingar, pela capoeira se
fala com os nossos de nossa ancestralidade, de nossas lutas, de nossa
identidade. Com Mestre Calunga aprendi que era preciso estudar, “aprofundar os
saberes”, os saberes do mundo, dos
homens, de si, “a nada serve saber muito se não se sabe de si... Saber muito e
não saber de si é manter-se cativo, preso à mentalidade colonizadora”, repetia
com frequência Mestre Calunga. Saber de si para Mestre Calunga era saber dos
ancestrais, das vidas escravizadas e de suas lutas por liberdade, dos que não
se renderam ao cativeiro e não se entrega a conversa dócil da democracia racial.
“Era preciso”, dizia, “ouvir no berimbau, no atabaque, no agogô, as vozes de um
povo que não se rende à chibata e ao tronco e se organiza e luta por sua
liberdade. Era preciso sentir na ginga do corpo os anseios e as lutas travadas
pelos escravos, pelas escravas contra o sadismo opressor. Liberdade não se
ganha, liberdade se conquista. Esta luta não está terminada. Mas não é uma luta
de massa, é uma luta que conta com os que se libertam do encanto que o
pensamento hegemônico, de base colonial, impõe a todos nós...”
Conheci
o Mestre Guiné acompanhando Orlando à Casa Chico-Rei. Ele precisava de alguns
créditos em atividades externas. Foi a primeira vez que ouvi falar de
Chico-Rei.
VII
Chegando
à casa de Ruth eu tomei a direção. Marcamos de nos ver no dia seguinte e nos
despedimos. Duas quadras depois eu estacionava o carro na garagem. Ao abrir a
porta e acender a luz para entrar em casa, assustei-me, dando de cara com minha
mãe: “Graças a Deus, você chegou! Estava já ficando preocupada!” “Mãe, não são
nem onze horas ainda!” “Seu irmão acabou de chegar e disse que tem um corpo
estendido na Guilhermina e está recheado de polícia para todo lado”. “Eu vim
pela Toledo Guimarães, fomos deixar o Orlando e a Zulmira, e para a Ruth era
mais viável.” “O importante é que vocês já estão todos em casa, já posso dormir
tranquila, deve ser mais um bandido, este bairro está cada vez pior. Amanhã a
gente fica sabendo. Boa noite, não esquece de apagar as luzes.”
Preparando-me
para deitar, depois de ter lanchado, o celular tocou. Era Ruth, a voz
embargada, transtornada: “Athur..., Athur..., O Zico... O Zico... a Policia...
o Zico... tiros... a Policia, Athur... A policia... O Zico..., Tiros... O Zico,
Athur... O Zico tá morto, Arthur... a polícia matou o Zico...
VIII
Todos
os dias o Estado nos mata!
“Quem
traz na pele essa marca”, precisa ter coragem e sorte sempre... Por que a
liberdade, “Maria Maria”, não nos chega?
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