domingo, agosto 30, 2020

TEM UM CORPO ESTENDIDO NO CHÃO

O grito surdo da realidade se faz ouvir na ficção. Rodner Lúcio

 

 I

 

Um pouco antes de entrarmos em quarentena, depois de uma pelada com os amigos, a última nos últimos cem dias, passamos no bar de um camarada, o Turco, para uma rodada de cervejas. O compadre Biafra ordenou uma porção de calabresa e o Zico uma de azeitonas e queijo minas. Enquanto esperávamos as porções e antes de passarmos para as cervejas, tomei uma quente. Ficamos no Turco um bom tempo comentando lances de nossa partida e dando largas risadas de nossa pouca intimidade com a gorducha. A certa hora, Marlene lembrou-nos: amanhã ainda é quinta-feira, meus guris às sete horas   precisam estar na escola.  Também Deodata precisava ir, quem tinha que estar na escola às sete era ela. Eu e Ruth acompanhamos o Orlando e sua companheira, Zulmira. Ruth, que havia ficado apenas no suco de kiwi com hortelã, dirigia. Zico e Biafra, que estavam de magrela, acompanharam Deodata que mora nas proximidades do Turco.

Na saída da Capitão Honorato Silva, tomando a Paulistana, deparamos com uma viatura da polícia estacionada, um pouco adiante dois sujeitos próximos a uma moto, braços levantados, sob a mira do revolver de um dos policiais, um outro policial verificava o que parecia ser documentos...

O Orlando recordou uma batida que eu ele e o Zico tomáramos na adolescência. Era uma sexta feira, pouco mais de meio dia, havíamos acabado de sair da escola. Passando pela Galdino Figueira, entramos no mercado, o Zico comprou um wafer, o Orlando chicletes. Do mercado, seguíamos pela Galdino para chegar à Praça Anchieta. De repente senti um safanão nas costas, e vi Zico ser empurrado contra uma vitrine: “mãos ao alto, pernas abertas”. Sem dar conta do que acontecia, eu e o Zico respondemos automaticamente, erguendo os braços e virando de costa. Não demos conta que o Orlando, deitado de bruços ao chão, tinha um cano de arma rente à cabeça. Ficamos de dez a quinze minutos sobre miras de revolveres, de três ou quatro policiais, sem nenhuma explicação. Então, um dos policiais, como que desceu a mão no costado do Orlando, agarrando-o pela gola da camisa e puxando-o num tranco do solo, algemando-o. Era uma época em que não havia câmeras, celulares, coisas assim. Nossa sorte foi o professor Aristeu estar passando por lá e ter presenciado a cena. “Senhor oficial, o que se passa?”, interviu o professor Aristeu. “Cidadão estamos fazendo nosso trabalho, por gentileza (um gentileza ríspido), mantenha-se afastado!” Mas o professor insistiu: “Senhor oficial, perdoe-me a intromissão, mas esses meninos são alunos meus, e pretendo uma informação clara do porque eles estão sendo abordados e porque o Orlando está sendo algemado”. “E quem é o senhor?”, perguntou, com certa irritação, o policial. “Eu sou Aristeu Carmona, professor desses meninos, como já disse. Posso, por gentileza, ter uma explicação do que está acontecendo. “Já informei, cidadão (ainda em tom agressivo), estamos fazendo nosso trabalho, agora se o senhor nos dá licença”. “Soldado, eu sou Aristeu Carmona, professor de educação física, esses meninos são meus alunos. Ou o senhor me informa o que está ocorrendo ou vou acionar o capitão Carmona. Não por acaso, meu irmão.”

Circundado de curiosos que acompanhavam a cena, o policial mudando postura, baixando a arma explicou: “estamos verificando uma denuncia de assalto na região e aquele ali, apontando para Orlando, se encaixa na descrição que temos. Demos voz para que se firmasse para verificação, mas ele resistiu e nos desacatou”. “Não é verdade, não é verdade”, falamos eu Zico e Orlando, desesperados, ainda sob a mira de revólveres. De imediato recebemos ríspida ordem para nos calarmos.

O certo é que não fosse a expressão “capitão Carmona”, talvez não estaríamos relembrando esta ocorrência de adolescência, com desfecho favorável. Com esta recordação, chegamos ao prédio de Orlando e Zulmira. Eles desembarcaram, confirmamos um encontro para o domingo, nos despedimos.

II

 

Tiramos a sorte grande naquele dia, e sou muito grato ao professor Aristides, de quem gostava pouco. Ele era muito rigoroso e, por vezes, rabugento. Mas não fosse sua intervenção, esta lembrança, talvez tivesse cores de lágrimas e sangue, como lemos frequentemente nos noticiários.

“Vocês também andam por aí todo largados, parecendo bandidos!”, reagiu minha mãe, quando lhe narrei o ocorrido. “Como bandidos”, significava como pretos, que para minha mãe era sinônimo. Em casa era comum este tipo de juízo.  Para pai tinham pretos “de alma branca” e pretos “vadios”, “preguiçosos”, “imprestáveis”. Fui educado neste ambiente. Tio era especialista em contar piadas de negros. Todo almoço de família ele soltava suas perolas. As ofensas que vó disparava contra tia Edelvina, hoje, a levariam presa.

Sempre que saia de casa havia duas recomendações: “não esqueça a identidade; anda como gente”. Recomendações supérfluas: a identidade é a última coisa que nos pedem numa abordagem policial. E não importa se você está no fino da moda ou no mulambo, é nossa pele que nos trai. Viver, tirar algum prazer da vida, é ato de coragem e golpe de sorte. Ao sair de casa, mesmo descrente, eu rezo.

Dia desses lendo o jornal, deparei-me com a notícia de uma pessoa, que assaltada, na queixa, a única descrição que deu do assaltante: “era negro”. Ariovaldo, meu vizinho, passou quarenta dias preso. Mesmo a vítima não o reconhecendo, mesmo os testemunhos a seu favor, que o colocava na escola e não na cena do assalto, demoveram a convicção do delegado, do promotor, do juiz. E, ainda agora, continua sob “averiguação”. Centenas de outros casos como este acontecem todos os dias em todo canto. E Ariovaldo pode dar-se por feliz. Nem todos têm a sorte de apenas serem presos.

“Alguma coisa fez! A polícia não prende quem anda como gente!”, foi o que disse mãe, ao saber do ocorrido. E mesmo agora, ciente da inocência de Ariovaldo: “ninguém é investigado e fica preso sem ter feito algo errado!”, diz mãe.

Certa vez, perguntei a mãe como ela se via no espelho. “Espelho não é pra se vê, menino. Espelho é pra se ajustar!” Desta resposta entabulei com mãe a seguinte conversa: “Então, como a senhora se vê?” “Eu me ponho no meu lugar, sei o que apetece ao tipo de pessoa que sou?” “E que tipo de pessoa a senhora é?” “Das que entram e saem da vida sem ter uma história!” “Como assim?” “Nasci, cresci, casei, tive filhos, os eduquei, se eu morro sem que eles me deem desgosto, morro com o dever cumprido. Terei vivido.”

“Colocar-se no lugar”, era uma expressão comum de mãe para Ednalva.

Habitamos uma pele da qual desconfiamos. Isto sempre me foi estranho. Sempre me olhei no espelho com suspeita.

 

III

 

Recordava estas coisas enquanto Ruth contornava a Alexandre Cardoso para pegar a Toledo Guimarães. “Não é melhor ir pela Guilhermina?”, comentei. “Por aqui eu não preciso fazer o contorno, já entro na mão de casa na Crispino Abreu.”

“O Zico”, ela disse, “está todo esperançoso, amanhã ele tem uma entrevista. Se Deus quiser, vai dar tudo certo! Ele começando num novo emprego, ele e o Biafra marcam o casamento.”

“Eles já não estão casados?, não moram juntos?”

“Sim, seu bobo, mas eles querem oficializar em cartório, reuni os amigos coisa e tal...”

Enquanto íamos conversando, tratando de nós e dos amigos, em mim eu ia conjecturando uma série de inquietações que me tomaram desde que passamos pela blitz e relembramos nossa “aventura”, minha de Zico e Orlando...

 

 IV

 

Augusto Luiz não teve a minha sorte, a sorte de Zico, a sorte de Orlando, não teve um professor Aristide, irmão de um capitão, intervindo por ele. Não teve a sorte de Ariovaldo, de estar vivo, apesar do perrengue dos quarenta dias presos.

Filho de Eustáquio Luis Gama (pedreiro) e Tereza de Aquino e Silva (diarista), morador do Morro do Kongo, Augusto Luiz, após abordagem da policia, ficou desaparecido 20 dias, seu corpo foi encontrado, com sinais de tortura e sufocamento à ribanceira do Rio Itapemerim, 50 quilômetros de sua casa. Imagens de segurança mostram os policiais abordando-o na noite em que desapareceu. Policiais sobre os quais abundam denuncias de abuso de autoridade e truculência. “Um caso isolado, que está sendo apurado”, informa o porta voz da corporação. 

São tantos os casos isolados, que tio, entre uma piada e outra, apenas esboça um: “Acontece! Ele estava no lugar errado na hora errada, isto acontece!”

Estar voltando da faculdade, às 23h, em nosso cotidiano é um risco, Mas a hora errada pode ser às 6 horas da manhã, no ponto de ônibus, indo para o trabalho. Pode ser às 20h de uma sexta feira, em que você, para surpreender a namorada, esconde o embrulho do presente sobre a jaqueta, um policial pode achar que você está armado.

Foi isto que aconteceu com Henrique Soares, que queria fazer uma surpresa à namorada. Levou dois tiros nas costas. O policial alegou ter “percebido um volume suspeito, encoberto pela jaqueta”. Naquela mesma noite, momentos antes, Mario Slav Montalbano foi liberado numa blitz pelo mesmo policial. Montalbano, naquela mesma sexta feira, por volta das 20 horas, mataria a ex-esposa com a arma que o policial, que acreditou ver uma arma no volume sob a jaqueta de Henrique, não fez questão de apreender, durante a blitz a Montalbano.

Era domingo, Matheus e Heridan combinaram correr pela manhã. Marcaram de se encontrar na Lagoa e partir dali até o Mirambava, cerca de oito quilômetros. 7h da manhã faziam alongamento. O carro da polícia estacionou, dois policiais desceram, os abordaram. Câmaras de segurança registram a cena, registram os dois sendo conduzidos à viatura. Matheus e Heridan não foram mais vistos com vida, seus corpos foram encontrados numa cachoeira, próximo à Serra do Mar, 60 quilômetros de onde foram abordados pela polícia. “Um caso isolado, que está sendo apurado”, informa o porta voz da corporação. 

Em nossa pele é preciso coragem e sorte para sair de casa. Coragem para sair, sorte para voltar vivo. Se você anda, é suspeito, se você corre, é suspeito, se você está parado, é suspeito. Nossos corpos têm tendência à balas perdidas.

“Filho”, dizia vó, “você fica andando com esses maloqueiros (Zico, Orlando, Raimundinho), uma hora a polícia para vocês.” “Já parou vó, já parou!” “E você não aprendeu?” “Aprendeu o que vó?” “Que andar só é melhor que em má companhia!” “Vó, na visão das mães de meus amigos, a má companhia sou eu!” “Se eu fosse a mãe deles, também acharia, mas sou tua avó!”  

 

V

 

“Há uma construção ideológica dos corpos, e esta construção ideológica permeia todas as camadas sociais, e está arraigada nas instituições sociais. As pessoas se julgam a partir desta construção. Do mesmo modo que julgamos um produto pela embalagem, um livro pela capa, julgamos a pessoa pelo corpo, ou, pior ainda, por determinados aspectos do corpo. Mesmo as pessoas detentoras desse ou daquele aspecto se julga à luz da ideologia construída. A desconstrução de uma ideologia não se dá da noite para o dia, não se dá sem conflito, sem esgarçamentos, sem rupturas e leva tempo, um longo tempo” (Mestre Guiné)

O projeto colonial segue pulsando em nossas estruturas sociais, se no passado transformava nossos corpos em mercadoria e combustível na maquinaria de extração e produção de riqueza, para alimentar o luxo e a ganância das cortes europeias, hoje o mesmo projeto nos reduz à vidas supérfluas. O fim do cativeiro não nos libertou, o fim do cativeiro nos marginalizou, nos criminalizou. Fomos ensinados a suspeitar de nós mesmos, a não nos ver gente.

Entendo mãe, entendo vó. Entendo tio e suas piadas. Mas é preciso recusá-los. É preciso combatê-las, combatê-lo sem deixar de entendê-las, entendê-lo. A maquinaria colonial nos produziu e continua a nos moer, a nos engendrar no pensamento hegemônico de uma democracia que não nos coloca na conta.  Casos isolados de extermínio, balas perdidas, prisões arbitrárias, não são acaso, é explicitação cotidiana de nossa identidade colonial. Mas como ontem, como nossos ancestrais: “nos recusamos a morrer, mesmo que eles tenham feito um acordo de nos matar" (Conceição Evaristo).

“Quem trás no corpo esta marca... é preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter gana, é preciso ter manha” para não sucumbir ao jogo, para subverter o jugo.

 

 VI

 

            Em Histórias e paisagens, Afonso Arinos diz que Chico-Rei foi traficado para o Brasil com toda a sua tribo e à custa de um trabalho insano, feito nas curtas horas reservadas ao descanso, conseguiu adquirir sua alforria. E “forro reservou o fruto do seu trabalho para comprar a liberdade de um dos da tribo; os dois trabalharam juntos para o terceiro; os três para o quarto, e assim, sucessivamente, libertou a tribo inteira!”

O mestre de capoeira, Anderson Santos, mestre Guiné, segue a filosofia de Chico-Rei. Diz Guiné: “Eu cheguei por aqui, novinho, com pai mãe e cinco irmãos. Morávamos num barraco de dois cômodos, dividíamos o banheiro com outras seis famílias. Pai acordava de madrugada, voltava já noite formada, geralmente embriagado. Mãe era doméstica. Ficávamos aos cuidados de Genêsia, minha irmã, que à época tinha quinze anos. Mas Genêsia se enrabichava com o Turco. Então, era cada um por si. Eu com dez anos sumia no mundo. Um dia Leleu, meu irmão, me chamou para vender balas com ele nos vagões de trem. Conheci o Piolho. Piolho era mestre em bater carteiras e roubar relógios. Ele sabia o momento certo de saltar do trem com o relógio de alguém nas mãos. Leléu não gostava de minha amizade com Piolho. Era muito comum sermos pegos pelos “gambés”, e toda vez era um esculacho, um “gambé” chegou a quebrar um dente de Piolho, que prometeu ter volta. Mas, pouco tempo depois, Piolho foi preso e internado na FEBEM, eu escapei, por milagre... Leléu resolveu ir se aventurar no Rio. Fiquei ao léu, sem rumo... Um dia, de bobeira na Praça dos Expedicionários, comecei a apreciar uma roda de capoeira, algo que durou pouco, logo a polícia apareceu e dispersou a roda. A capoeira ainda não tinha o respeito que aos poucos tem conquistado. Fiquei de olho, no entanto no mestre e o segui. Foi algo instintivo. Uns dias depois, bati em sua porta: “O senhor ensina capoeira?”... A única exigência de mestre Calunga era com os estudos. “Não precisa, necessariamente estar na escola, mas precisa estudar, saber de seus ancestrais, saber de sua história, saber sua identidade”. Foi assim, que ingressei numa turma de alfabetização popular na Casa Chico-Rei. Na Casa Chico-Rei me alfabetizei, tornei-me eletricista, capoeirista, percussionista. Na minha cola, veio minha irmã Anastácia, que entre culinária, bordado e alvenaria, escolheu alvenaria e  meu irmão Jurimar, que também escolheu aprender alvenaria. Na Casa Chico-Rei o mais importante não era a formação para o trabalho ou para a arte, estas eram estratégias para combater o pensamento hegemônico, para descolonizar. “A capoeira é uma luta que não usa força, que não agride, é uma luta manhosa, uma luta que rompe grilhões, que liberta”, ensinava Mestre Calunga. “O colonizador nos desterra, nos desarticula, nega-nos nossa história e querem determinar nosso destino. O colonizador tem a necessidade da conquista seja de forma rude, agressiva, perversa, seja de forma adocicada, sutil, pelo discurso de uma liberdade que não liberta, de que basta esforço, empenho, disposição, vontade... O colonizador, por deter os meios de comunicação, de informação e de formação, se introjeta em nós e, de nós, nos governa. Contra essa intromissão, é preciso gana, é preciso manha, é preciso se libertar e ir libertando um a um; é preciso criar os próprios caminhos de produção do saber que o colonizador nos nega.”  A capoeira é estratégia, é aproximação dos nossos, de sua linguagem, aprender capoeira não é apenas aprender a lutar, a gingar, pela capoeira se fala com os nossos de nossa ancestralidade, de nossas lutas, de nossa identidade. Com Mestre Calunga aprendi que era preciso estudar, “aprofundar os saberes”, os saberes do mundo,  dos homens, de si, “a nada serve saber muito se não se sabe de si... Saber muito e não saber de si é manter-se cativo, preso à mentalidade colonizadora”, repetia com frequência Mestre Calunga. Saber de si para Mestre Calunga era saber dos ancestrais, das vidas escravizadas e de suas lutas por liberdade, dos que não se renderam ao cativeiro e não se entrega a conversa dócil da democracia racial. “Era preciso”, dizia, “ouvir no berimbau, no atabaque, no agogô, as vozes de um povo que não se rende à chibata e ao tronco e se organiza e luta por sua liberdade. Era preciso sentir na ginga do corpo os anseios e as lutas travadas pelos escravos, pelas escravas contra o sadismo opressor. Liberdade não se ganha, liberdade se conquista. Esta luta não está terminada. Mas não é uma luta de massa, é uma luta que conta com os que se libertam do encanto que o pensamento hegemônico, de base colonial, impõe a todos nós...”

Conheci o Mestre Guiné acompanhando Orlando à Casa Chico-Rei. Ele precisava de alguns créditos em atividades externas. Foi a primeira vez que ouvi falar de Chico-Rei.

 

 VII

 

Chegando à casa de Ruth eu tomei a direção. Marcamos de nos ver no dia seguinte e nos despedimos. Duas quadras depois eu estacionava o carro na garagem. Ao abrir a porta e acender a luz para entrar em casa, assustei-me, dando de cara com minha mãe: “Graças a Deus, você chegou! Estava já ficando preocupada!” “Mãe, não são nem onze horas ainda!” “Seu irmão acabou de chegar e disse que tem um corpo estendido na Guilhermina e está recheado de polícia para todo lado”. “Eu vim pela Toledo Guimarães, fomos deixar o Orlando e a Zulmira, e para a Ruth era mais viável.” “O importante é que vocês já estão todos em casa, já posso dormir tranquila, deve ser mais um bandido, este bairro está cada vez pior. Amanhã a gente fica sabendo. Boa noite, não esquece de apagar as luzes.”

Preparando-me para deitar, depois de ter lanchado, o celular tocou. Era Ruth, a voz embargada, transtornada: “Athur..., Athur..., O Zico... O Zico... a Policia... o Zico... tiros... a Policia, Athur... A policia... O Zico..., Tiros... O Zico, Athur... O Zico tá morto, Arthur... a polícia matou o Zico...

 

VIII

 

Todos os dias o Estado nos mata!

“Quem traz na pele essa marca”, precisa ter coragem e sorte sempre... Por que a liberdade, “Maria Maria”, não nos chega?

quarta-feira, agosto 26, 2020

O MENTIROSO E O VELHO PASTOR

 

Todos nós conhecemos a história do pequeno pastor que, para divertir-se um pouco, alvoroçou os demais pastores com gritos de: “Socoooorro..., socoooorro..., um lobo, um lobo!” Acudido, o pequeno pastor divertiu-se ante a presteza e desespero dos demais pastores. O maroto repetiu a arteirice tantas vezes que os pastores passaram a desacreditar-lhe. Todos nós sabemos da desventura do estouvado quando um lobo, de fato, atacou o lugarejo. Diz-se que ninguém acorreu em seu apoio. Na verdade, tinha lá um experimentado pastor, já avançado na idade, que, no instante em que o lobo abocanhava o colo do rapazola em desespero, atingiu-o certeiro a fuça com seu cajado. Passado o susto o pastorzinho agradecido comentou: “Ninguém mais acredita em mim, apenas o senhor?” “Meu filho, embora sejas mentiroso, eu ainda acredito em lobos”. Não obstante os hipócritas eu ainda acredito na mensagem do Cristo: “Eu estou nos pequenos, nos humildes e humilhados, nos perseguidos e injustiçados... e não nos templos e igrejas”.

domingo, agosto 16, 2020

Habito meu sentido

 

Eu sou o que dizes

Eu ser

Eu sou o que não dizes

Eu ser

Eu sou o meu dizer

De mim, de ti

Do mundo

E, no meu dizer,

De tudo

O que não digo

De mim, de ti

Do mundo

Entre o dito e o não dito

Negando-me e me afirmando

Negado no afirmado

Sou assumindo-me

Habitando meu sentido.

Entre o explicito

E o implícito

De mim

De ti

Do mundo.